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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Livrai-nos do “Mala Men”

Livrai-nos do “Mala Men”
Erivelto Reis




Em primeiro lugar: Mala Men são nossos amigos (que não vamos dar trela pra inimigos!) e também somos nós em algum momento. Quando e como? Quando somos chatos e inconvenientes. Esse texto é, antes de tudo, uma homenagem àqueles que nos dão boas histórias pra contar.

Mala Men é aquele colega de trabalho, aquele amigo, vizinho ou parente que enche a paciência de qualquer um.

Mala Men nunca diz bom dia; e se diz, é aos berros, abrindo os braços e chovendo perdigotos. Gosta de contar os segundos, a todo o momento pergunta as horas. Se lhe perguntam como vai, ele responde explicando. Cuidado enquanto me lêem, pois neste exato momento ele pode estar se aproximando!

Mala Men pede tudo emprestado e nunca devolve. É ranzinza, mal humorado, desbocado e “descolado”. É metido a saber tudo sobre qualquer assunto. Sempre diz que leu qualquer livro (sem ter lido!), que viu qualquer filme (sem ter visto! E dos que viu, entrega o final!). Não gosta de viajar: diz que o estrangeiro é sem graça. Mas, se algum conhecido vai ao exterior, encomenda perfume, videogame e computador portátil – que ele acredita chamar-se Top-Top – (sem falar da exigência de chaveiros e postais). Se o turista em questão viaja pelo Brasil, na volta ele só quer saber das mazelas: pergunta se não teve dengue, malária, febre amarela... Interrompe quem está com a palavra, desde a roda de amigos ao seminário sobre o meio ambiente. É auto-suficiente. Às vezes mente tanto que nem sente. Nunca cumpre o que promete.

Mala Men é assim: fala, anda, come... Só não pensa!

Mala Men é “pegajoso”: fala tocando nas pessoas o tempo todo. Gosta de se apoiar nos ombros dos outros. Gargalha em velório. Monopoliza a atenção do anfitrião em aniversários. Chega sempre atrasado. Diz que esqueceu a carteira pra não dividir a conta. Dá tapa forte nas costas quando encontra um conhecido. Aperta demais a mão daqueles a quem é apresentado, ou cumprimenta com a mão mole, apenas com a ponta dos dedos. Gesticula demais. Aprecia vinhos e charutos e joga papel de bala no chão.

Mala Men é metido a entender de História, Filosofia e esoterismo. Teatro e Literatura são parte do seu ofício. Pra ele, Getúlio se enforcou com um tiro; Dom Quixote é obra de Camões e Santos Drummond de Andrade inventou os aviões. Acha que Sócrates era fraco pra bebida e que O Avarento foi escrito por Molinete. Gosta dos poemas de Mario Quitanda, das músicas de Lourival Caymmi e sua filosofia de vida é: “Quem bate apanha, quem esquece não!” Seu sonho é aprender várias línguas e tornar-se um troglodita. Pode ser culto ou não, mas sempre erra com convicção. Acha-se irresistível. É o gostosão do pedaço. Tenta (apenas tenta) praticar qualquer esporte. Diz ter sido o voto de Minerva do concurso que elegeu o maior anão do mundo.

Mala Men descobriu que o sol é a maior coisa que tem na Terra e agora pesquisa como o astronauta fez pra pousar a nave espacial na lua minguante. É puxa-saco, fofoqueiro e palpiteiro. Não cede o lugar aos idosos na condução. Não tem carteira de habilitação, mas é exímio co-piloto. De carro, avança o sinal vermelho, fecha todos os motoqueiros; se está de moto, quebra os retrovisores dos carros e usa o capacete no cotovelo. É cheio de preconceitos. Inventa simpatias. Aproveita o primeiro incauto que aparece pra desabafar. Tudo o que alguém faz de bom, ela já fez muito mais e melhor. E de ruim, ele já tinha avisado! Quando se faz de coitado, se reclamam fica bravo.

Mala Men só gosta de discutir futebol, política e religião. Assovia quando passa um “mulherão”. Entrega panfleto de propaganda no calçadão. Reutiliza papel de presente, não tampa a pasta de dente; liga a cobrar, de celular, pro telefone da casa da gente. Gosta de beber uísque, e de oferecer aguardente. De comer caviar e servir bolo de fubá. Gosta de falar difícil pra se fazer entender. Faz gozação com os amigos e lhes causa embaraço. Quer sempre o maior pedaço. Lambe a tampa do iogurte; bota foto que tirou com um artista no orkut.

Mala Men sempre aparece sem ter avisado. Ilustra os relatos com velhos ditados. Acha-se superior, faz questão de ser chamado de Doutor, mas não sabe informar no que é que se formou. Diz que pra ele dinheiro não é problema, mas pechincha até pra comprar um Sonrrisal e um Eparema.

Mala Men é o maior cara-de-pau: “Você engordou? Sabe com quem está falando? Você usa lente? Pagou quanto? Lembra de mim? Você ainda vai querer isso? Bonito sapato! É ortopédico? Não conta o que eu te contei pra ninguém...”

Tenho certeza que vocês que me lêem, devem ter se lembrado de muitos outros (de) feitos perfeitos do Mala Men. E que a essa altura estão implorando: “Livrai-nos!”–até de um cronista mala também...


O Mistério dos Livros da Profª. Sueli

O Mistério dos Livros da Profª. Sueli
Erivelto Reis



Quando a morte conta uma história
Você deve parar pra ouvir.
In “A Menina que Roubava Livros” de Mark Zusak


Professora Sueli os seus livros estão aqui.
Não todos, é claro, (eram muitos!), apenas os que consegui comprar. Não sabia o que lhe havia acontecido. Pra ser sincero não percebi no início que havia indício de uma coisa fantástica.
Eram livros usados, vendidos num sebo, como tantos que existem na cidade. Eram importantes trabalhos, sobre Literatura e assuntos conexos, alguns em muito bom estado, adquiridos aos pares, dia após dia e que traziam a inscrição na folha de rosto sem rosto: “Profª. Sueli”. Eram livros sem passado (ilusão incompatível aos freqüentadores dos sebos), até que o livreiro – comerciante de destinos – me perguntou se eu notara que tudo o que eu adquirira era de uma mesma, única pessoa... Foi como se o peso de uma existência desabasse sobre mim.
Sei que pode acontecer de alguém desfazer-se até de uma biblioteca inteira com títulos que abordem diversos assuntos; de uma enciclopédia que eventualmente tenha ficado desatualizada. Mas não daqueles livros todos de uma vez!!!
Refleti muito sobre os motivos que a teriam levado a desfazer-se das obras, especulei insone por diversas hipóteses: desemprego, doença, necessidade financeira (não se espante o Leitor, mas no Brasil é comum que os professores passem por isso), desilusão com a carreira escolhida, presente a alguém como legado; presente a alguém ingrato que depois se desfez do oferecimento como se pusesse ao lixo um lenço de papel usado.
Fico inclinado a pensar que não foi a “Profª. Sueli” que se desfez dos livros, mas que a vida é que se desfez dela. E nesse caso, poderia ser generosidade da família passar o legado da fonte de tantos conhecimentos, através do desapego material, cumprindo um último desejo de seu ente querido. Tal pensamento desperta em mim um ímpeto de compreensão e me solidarizo com a suposta perda. O “abandono” de seus livros me faz lamentar a ausência de uma pessoa a quem sequer conheci. De quem nada sei. Com que olhos a professora lia esses mesmos livros que agora me pertencem? Quais eram seus sonhos? Quais deles ela teria conseguido realizar? Era feliz? Dormia bem? Era casada? Era sozinha? Haveria livros de outros assuntos? Onde eles estariam?
Os livros têm a capacidade de apreender um pouco da essência de quem os lê, à medida que se desenha uma interação entre o leitor e o veículo que contém o objeto da leitura. E tal constatação se faz por associação subjetiva. Assim como os porta-retratos com fotos dos mortos do poema de Carlos Drummond de Andrade, a estátua de gesso do poema de Manuel Bandeira ou o “pobre poema” inacabado de Mario Quintana, o que é possuído, possui um pouco daquele que o possuía. Sempre haverá objetos que nos recordarão daqueles que se foram, pela notoriedade de sua proximidade, de sua interação. Uma roupa no armário a esperar por um filho; as sandálias velhas na soleira da porta a esperar por um pai que não vai voltar; uma pétala de rosa desbotada e seca dentro de um cartão de natal enviado por amigo distante e possível e agora tão perto e inatingível... Um retrato 3x4 de um parente, de um poeta, de um amor ou de um amigo...
Professora Sueli, os seus livros estão aqui!
Não é minha intenção evocar sua memória através dos livros que eram seus, muito embora ela surja circunspecta e embotada de mistério, talvez a me indicar que o ciclo venha a se repetir comigo. E que os seus livros que hoje são meus e estão com etiquetas adesivas contendo o meu nome, um dia, talvez, estejam numa banca vendidos num calçadão pra alguém que irá se esquecer de nós. Eu e a Senhora irmanados na firme constatação da imaterialidade, da transitoriedade da anima que move as coisas. É certo que pulsa em meu ser a idealização de quem, por ser professora (de Literatura), já mereceria o respeito do modesto escritor. O conhecimento perdura a duras penas. Que pena!
Espero que onde quer que a senhora esteja, possa estar num lugar melhor do que esse aqui. Espero que você que me lê, perceba que nas pequenas coisas, nos pequenos detalhes, se escondem as chaves da reflexão sobre coisas importantes para valorizar e melhorar a vida e para encarar a morte. Que olhe com mais carinho para os livros deixados em seu lar por alguém que se foi; que cumpra a vontade do ausente se ela assim manifestar-se. E que entenda que as páginas desbotadas de um antigo livro, são como os fios de lágrimas de um grande amigo lamentando a perda daquele a quem não vai ver mais.

Erivelto Reis

UMA HISTÓRIA DE AMOR NO CALÇADÃO

UMA HISTÓRIA DE AMOR NO CALÇADÃO
Erivelto Reis



Descendo o calçadão de Campo Grande em direção à estação vinha vindo o que poderíamos entender como o projeto para um futuro casal. Ele, insistente e galanteador. Ela, ligeiramente interessada, mas disposta a fazê-lo demonstrar suas reais intenções. Ainda em frente ao caixa eletrônico, ele dizia que nada no mundo valia mais que a beleza dos olhos dela. Nesse instante pararam porque ela percebeu que estava sem uma das lentes. Passaram no McDonald’s, ele propôs tomarem um sorvete, mas ela, desatenta, olhava pro futuro, que no caso em questão, era a vitrine das Lojas Americanas. Sentiu-se um pouco constrangida por ser ela uma nacionalista. Mas não havia escolha, as Lojas Brasileiras haviam fechado já há algum tempo. Pelo menos havia as Casas Bahia, que faziam de sua casa um Superlar. Outrora Ultralar, mas nem tudo na vida é lazer. Ela bem o sabia. Na porta da Tock, ele sentiu que seu coração batia forte – fazer o quê? A paixão é mesmo Impecável!!! Ela, contudo, fazia-se de desentendia e sem mais nem menos começou a soluçar. Ele apelou pra São Brás, mas por via das dúvidas, convidou-a a entrar numa farmácia. Ela não o ouviu direito, mas farmácias, óticas e buracos são muito comuns nas ruas de Campo Grande. Por isso foram na onda do Povo: entraram na Pacheco. Ele, um jovem estudante. Ela, também, só que estudiosa. Ele, apaixonado. Ela, apressada. Ele sugeriu irem ao Passeio. Queria um lugar mais tranqüilo para que pudessem conversar. Ela imaginava se encontraria o livro que procurava no Sebo do Pepeu, e se algum dia a Rodoviária seria um lugar mais limpo e organizado... Ele contava vantagem: dizia ser o Rei do Mate, futuro gerente da Silbene, funcionário do CIEZO, membro do ICC, diretor da Guaracamp (o rapaz era pretensioso!). Ela se perguntava se por uma infeliz coincidência, não estariam todos os fumantes da cidade reunidos na praça de alimentação do Passeio. Pensou em falar a respeito com o Poeta Paulo D’Athayde, que ela acabara de avistar no calçadão, mas desistiu quando percebeu que teria que entrar na fila... O rapaz, num ato de desespero, convidou-a a entrar numa loja de um e noventa e nove, que é freqüentada por noventa e nove de cada cem pessoas que vêm a “Big Field”, fenômeno que se repete no caso das lojas de “salgado e suco por apenas um real”. Ela, que nesse momento se desviava de uma mãe que batia num filho, de uma bandinha de música, de um garoto que distribuía panfletos e de mais uma das inúmeras bancas colocadas irregularmente às portas das lojas, disse a ele que poderiam se encontrar no West Shopping, numa outra ocasião e desculpou-se porque até aquele momento não havia escutado uma só palavra do que ele dissera. Despediram-se... Mais uma possível história de amor que não se concretiza, devido ao barulho ensurdecedor que prevalece nas ruas do centro de Campo Grande!

O TERCEIRO SEGREDO DE FÁTIMA

O TERCEIRO SEGREDO DE FÁTIMA
Erivelto Reis




Segredo é isso que as pessoas dizem umas às outras, geralmente pedindo segredo. Pode ser confissão, boato, fofoca, intriga, traição, calúnia, mentira, surpresa, inveja, verdade... Tudo depende de quem ouve como de quem conta. E também conta muito o que houve.
O segredo é como um animalzinho de estimação que levamos para todos os lugares, alimentamos, domesticamos e o tornamos dócil. Mas se o abandonarmos ou o desprezarmos, ele se tornará incômodo e difícil de controlar. E se, por fatalidade, alguém se apodera dele, aí é que ele se torna indomável como um leão faminto. Há que se ter cuidado!
Dizem que o segredo para um casamento feliz é não ter segredo. Concordo e acrescento que neste caso é melhor fazer segredo sobre a pessoa a quem você não faz segredo.
Para mim, segredo é silêncio e o resto é conversa.
Segredo curioso é o das cartas anônimas: que não raro revelam um segredo e nos remetem a outro.
No mundo, a “indústria do segredo” movimenta uma “grana” alta. O valor exato não se sabe, porque é segredo. Essa indústria é formada por gente que ganha a vida revelando a intimidade dos outros para quem vive querendo saber da vida alheia. Não me refiro aos espiões e detetives particulares, e sim às revistas especializadas em mostrar o que artistas, pseudo-artistas e políticos fazem na vida profissional e na privada...
Outro tipo de segredo muito em voga ultimamente é o segredo de justiça, que não é nem tão secreto nem tão justo, pois revela um delito e esconde o suspeito. E se esse delito envolve dinheiro, revela o suspeito, mas não a quantia que “sumiu”...
O segredo para uma vida mais harmoniosa e menos tensa existe: já foi visto andando calmamente, ao lado da fé e da esperança, na estradinha de terra batida, próxima de um riachinho, lá no interior de Goiás. Se você não concorda, mantenha o segredo e salve a alma do negócio...
Mais que isso, só o Papa! Que há muito guarda o terceiro segredo de Fátima e periga não conseguir contar pra ninguém.


A MÃE DO PITBULL

A MÃE DO PITBULL
Erivelto Reis




– Pois é, Doutor Delegado...
– Que é isso, Madame?! Pode me chamar pelo meu nome de batismo.
– E que nome seria esse?
– É esse que está aí no cartãozinho que eu lhe pedi para entregar ao seu ilustre esposo, excelentíssimo juiz.
– Mas como eu ia dizendo De-le-ga-do, esse “menino” é completamente inocente e...
– Acontece, Madame, que a vítima teve dois dentes quebrados, fratura no maxilar. Levou vinte pontos no supercílio direito...
– É que o meu “menino” é canhoto, Doutor.
– As testemunhas reconheceram seu filho como sendo o agressor e afirmaram ter sido ele o pivô da confusão.
– Esse “menino”, Doutor, apesar dos cento e vinte quilos e de ter um metro e oitenta e cinco, é incapaz de fazer mal a uma mosca.
– Madame, eu a entendo perfeitamente. O problema é que a vítima tem menos da metade da altura e do peso do seu filho, e...
– Isso é que dá, Doutor, essa gente desqualificada querer freqüentar os lugares da moda!
– Madame, o rapaz agredido era manobrista da boate.
– Que seja! Mas está me parecendo que o Doutor está dificultando um pouco a liberação do meu “menino”. Desse jeito, meu marido não vai poder auxiliar muito em sua nomeação...
– Não me entenda mal, Madame, mas é que a imprensa está de olho!

Nesse momento o telefone celular da Madame toca.

– ...
– Sua imprestável, imbecil de uma figa! Já não te disse mil vezes que não agisse dessa maneira?!
– ...
– Não me interessa, sua idiota! Eu vou é colocá-la no olho da rua. Você vai me pagar de uma vez por todas!

A Madame desliga, furiosa.

– Quer um cafezinho, Madame?
– Não, Doutor, eu quero é levar o meu “menino” para casa.
– Eu compreendo que a Madame esteja nervosa com toda essa situação, e, pra piorar, ainda recebe um telefonema de uma empregada, no mínimo, incompetente e desleixada...
– Quem falou em “empregada”, Delegado? Eu estava falando era com a minha mãe que mora lá em casa. Como é? Libera ou não libera?!

– Pois é, Doutor Delegado...
– Que é isso, Madame?! Pode me chamar pelo meu nome de batismo.
– E que nome seria esse?
– É esse que está aí no cartãozinho que eu lhe pedi para entregar ao seu ilustre esposo, excelentíssimo juiz.
– Mas como eu ia dizendo De-le-ga-do, esse “menino” é completamente inocente e...
– Acontece, Madame, que a vítima teve dois dentes quebrados, fratura no maxilar. Levou vinte pontos no supercílio direito...
– É que o meu “menino” é canhoto, Doutor.
– As testemunhas reconheceram seu filho como sendo o agressor e afirmaram ter sido ele o pivô da confusão.
– Esse “menino”, Doutor, apesar dos cento e vinte quilos e de ter um metro e oitenta e cinco, é incapaz de fazer mal a uma mosca.
– Madame, eu a entendo perfeitamente. O problema é que a vítima tem menos da metade da altura e do peso do seu filho, e...
– Isso é que dá, Doutor, essa gente desqualificada querer freqüentar os lugares da moda!
– Madame, o rapaz agredido era manobrista da boate.
– Que seja! Mas está me parecendo que o Doutor está dificultando um pouco a liberação do meu “menino”. Desse jeito, meu marido não vai poder auxiliar muito em sua nomeação...
– Não me entenda mal, Madame, mas é que a imprensa está de olho!

Nesse momento o telefone celular da Madame toca.

– ...
– Sua imprestável, imbecil de uma figa! Já não te disse mil vezes que não agisse dessa maneira?!
– ...
– Não me interessa, sua idiota! Eu vou é colocá-la no olho da rua. Você vai me pagar de uma vez por todas!

A Madame desliga, furiosa.

– Quer um cafezinho, Madame?
– Não, Doutor, eu quero é levar o meu “menino” para casa.
– Eu compreendo que a Madame esteja nervosa com toda essa situação, e, pra piorar, ainda recebe um telefonema de uma empregada, no mínimo, incompetente e desleixada...
– Quem falou em “empregada”, Delegado? Eu estava falando era com a minha mãe que mora lá em casa. Como é? Libera ou não libera?!

Respeitem os Cabelos Brancos da Poesia

Respeitem os Cabelos Brancos da Poesia
Erivelto Reis






Vamos falar a verdade? A poesia já é uma senhora de idade. Então é mais do que hora de respeitá-la! Pense em sua atitude, ainda dá pra mudá-la. Pois a poesia traz em si a eterna juventude. Essa história de anunciar a sua morte. Dizer que já faz tempo que ela está doente é conversa fiada só pra enganar a gente.
Não vou me referir a ninguém especificamente, pois não se trata de acusar levianamente. Mas como quem jura mente, se você jura que a poesia não tem lugar em sua vida, em sua mente, meu amigo, infelizmente...
Já disseram que ao redor do mundo a poesia não poderia ser reinventada, que já tinha dado tudo... Meu Deus, quanto absurdo! Quero saber quem matou a poesia? Quem fez a sua necropsia? Quem assinou o atestado? Onde o corpo foi velado? Me digam o número do seu túmulo, por favor, eu insisto, que é pra eu, pelo menos, usá-lo pra jogar no bicho!
Não dá pra ouvir falarem mal de quem tanto a gente aprecia. Mesmo falando mal a poesia, assim mesmo ela nos ama, sofre resignada, chora, reclama e quem critica entende muito, mesmo não conhecendo nada. Vanguardista, anarquista, modernista, KoNkR&T!$t@, experimentalista, clássica, cômica, humorística, filosófica, erótica, humanista... De amor, de saudade; poesia pra falar no teatro, no colégio... pra escrever no lavabo, pra não sair do diário, para sair do armário... Poesia para pensar, poesia para atacar, poesia pra se defender. E a poesia não tem utilidade pra você?!
Grandes poetas, confusos seres humanos. Doentes, românticos, suicidas, insanos, simbolistas, parnasianos... Almas atormentadas, pessoas comuns tentando mapear a jornada. Quando morre o poeta, fica a obra inacabada?
Uma poesia tem início, meio e fim, e se não se nos apresenta assim, não tem problema. É que a história que relata a sua confecção, cuja parte visível (imprevisível) é o poema, depende de contexto, padrinho, foco, pretexto. Às vezes um poema só existe para justificar um único verso. E não seria assim com a humanidade em relação ao universo?! O poeta disfarça, esconde, transcende, para proteger o verso: sua verdade, sua arte... E há sempre alguém que não o entende.
A poesia é uma senhora, e como tal, tem uma história, nem sempre espetacular, por tantas vezes enigmática e contraditória. Mas chega a ser crueldade contrapor a poesia ao tempo. Creio que todas as poesias poderão servir de exemplo para o que tem de ser feito, pra o que não se pode ou não se deve repetir. Poesia é um santo remédio pra nos fazer acordar e também nos fazer dormir. Não parece a descrição de uma avó? Carinho com ela, respeito com ela, cuidado com ela. É só o que eu peço... Só.
Mas não vá pensar o Leitor, que a defesa enfática da poesia se dá por favor, ou por ela não poder defender-se a si mesma. Tal defesa faz-se em nome do amor. A poesia é a poesia onde quer que ela esteja! E tem muita energia, vitalidade e força. Famosa ou desconhecida ela seja. Escrita por bardo emérito ou estudante inquieto com o coração a ponto de explodir. Não maltrate a poesia, pois ela pode fazer você chorar e também pode fazer você sorrir.



Erivelto Reis

EU XINGO, MEU PAI ME XINGA, MINHA MÃE ME XINGA

EU XINGO, MEU PAI ME XINGA, MINHA MÃE ME XINGA
Erivelto Reis



Assuntos polêmicos não são o meu forte. Como integrante permanente do lado mais fraco, apresento uma forte tendência a defendê−lo. E, acreditem ou não, o lado mais fraco sempre tem defesa. Embora não pareça. Porém, não poderia nunca ignorar o fato de que apesar de toda a Poesia, o Brasil ainda tem que se esforçar muito para melhorar.
Esse povo tão sofrido que luta por dias melhores e que vive tão oprimido e sem oportunidades, acaba por voltar a sua indignação contra os seus semelhantes. Se não contra o vizinho, o patrão (quando o há), o amigo... Acaba por rebelar−se contra a própria família. Na forma de descaso.
Aconteceu comigo pensar nisso, quando um dia, num ponto de ônibus, esperando condução para participar de um encontro de Poetas, pude ouvir uma “mãe”, — eu imaginei tratar-se de uma mãe, — aos berros, xingando o que me pareceu ser um menino que chorava dolorosa e copiosamente.
Difícil tratar de Poesia com o choro desse menino na cabeça. Difícil acreditar que um país que pretenda crescer e se tornar um país justo possa conviver, dia a dia, com a violência doméstica. Mas como a missão do escritor é levar a Poesia e a literatura onde quer que ele vá, lá fui eu fazer Poesia com o choro do menino martelando o meu juízo.
E quando já estou conseguindo esquecer daquele choro convulsivo, durante um evento no calçadão de Campo Grande, ao meu lado, num daqueles bancos de concreto do calçadão, uma menina procura pela mãe. Seu irmão que vem em seu auxílio, um pouco mais velho que ela, ao invés de ajudá−la, agride a menina com uma sonora bofetada no rosto, empurrões e puxões de cabelo. Ela, frágil, impotente e indefesa; quase sem recursos para mostrar a sua/minha indignação, tenta cuspir-lhe no rosto. E a saliva da revolta da menina também me atinge.
Perdigotos de uma geração marcada pelo descaso respingam minha camisa e minha Poesia. Acertam também o rosto de seu irmão-algoz, tão vítima quanto ela. E assim, nesse ensaio de caos e guerra, onde irmãos se confrontam violentamente, a história se repete e tenta, de maneira sórdida, justificar-se: minha mãe me xinga, meu pai me xinga e eu xingo quem cruzar o meu caminho!!!


PALAVRAS CRUZADAS

PALAVRAS CRUZADAS
Erivelto Reis






– Meu filho (o filho tinha oito anos), qual é mesmo o nome do cachorro do Mickey, com cinco letras e começando pela letra “P” ?
– Não sei, papai! (o pai tinha 30 anos). Se fosse o nome do cachorro da crônica do Rubem Braga – ZIG –, eu saberia.
– Mas que história é essa de “crônica”. E quem é esse tal de Rubem Braga?
– Papai, Rubem Braga foi um cronista capixaba maravilhoso, foi correspondente do Brasil na Segunda Guerra, embaixador no Marrocos e ainda...
– Não me interessa isso! O que me importa é o nome de um personagem de história infantil que você deveria conhecer. Afinal, você é uma criança!
– O filho pensou que o pai era quem deveria conhecer esse e outros grandes escritores da nossa língua, afinal, ele era adulto! Mas ficou calado...
– Mas tudo bem, essa eu sei que você sabe: qual é o nome do personagem de Maurício de Sousa que fala errado e começa com “C” ?
– Provavelmente o “Chico Bento”, por sua origem rural, mas pode ser também o “Cebolinha”, que, no caso, fala “elado”. Mas o que me chama a atenção são os aspectos regionalistas da nossa Literatura, que vão desde “Macunaíma”, de Mário de Andrade, e englobam “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa. Sem falar no “Jeca Tatu”, de Monteiro Lobato e...
– Mas que loucura é essa, garoto? Você devia conhecer era a Emília e a Narizinho do “Sítio”, e não esse monte de “cultura inútil!” É isso que você aprende na escola, é?!

– Na escola, papai, eu conheço os grandes escritores da Língua Portuguesa. Didaticamente é importante. Mas o que eu mais gosto, são as Poesias, os contos e as crônicas que educam, divertem e emocionam. E lamento profundamente que haja escolas e professores que não atribuam a importância devida aos Poetas, contistas e cronistas brasileiros.
– Meu filho, prove para o papai que você é uma criança normal e responda a essa pergunta que eu aprendi no “qüiz” da choperia: quais os nomes dos sete anões da história da Branca de Neve?
– Não sei, papai, mas há quem afirme que a Rainha má dessa história é uma projeção do subconsciente do autor, de suas carências afetivas e...
– Chega! Não quero mais saber desse tipo de conversa de “CDF”! Amanhã mesmo eu vou trocar você de escola. Onde já se viu, filho meu ser o primeiro da turma?!... Onde que esse mundo vai parar?! Você devia era assistir mais televisão! A gente se esforça para ter um filho que tenha a “cabeça vazia”, e aí vem a Literatura e estraga tudo! Onde já se viu uma coisa dessas?!...

ONDE NÃO HÁ POESIA

ONDE NÃO HÁ POESIA
Erivelto Reis


Se não houvesse a Poesia não haveria evolução. Não haveria flores, nem frutos. Romances, talvez, mas não muitos. Não haveria paz, mesmo que fosse entre irmãos — de sangue ou não —, e as guerras que há no mundo, seriam a regra, ao invés de serem a exceção.
Se não houvesse a Poesia não haveria bom dia e a vida seria muito dura — pedra pura! Problema sem solução.
Se não houvesse a Poesia não valeria a pena dizer aquilo que se diria se não houvesse a Poesia.
Se não houvesse a Poesia, o espírito envelheceria, o sorriso desapareceria... A prece não expressaria a força que há na fé, se não houvesse a Poesia.
Se não houvesse a Poesia nenhuma mãe geraria um filho, pois que ela teria, receio de conceber a vida num mundo sem alegria e nem em sonho se atreveria, a imaginar como seria ter um filho sem saúde e a vida sem Poesia.
Se não houvesse a Poesia não haveria amor nem valia, na vida que se teria, se dentro de cada família não se partilhasse o pão, a esperança e a Poesia.
Se não houvesse a Poesia não haveria como existir a força de uma amizade, não falo de intensidade, mas sim, sobre a lealdade que outra coisa não é, senão gratidão, confiança... É... Muita coisa pereceria se não houvesse a Poesia!
Se não houvesse a Poesia não haveria esperança. E o que se diz, teria apenas semelhança com a Poesia. Seria pássaro que não voaria. Afirmação que a ninguém convenceria.
Se não houvesse a Poesia a música não seria o que ela é hoje em dia. Seria apenas melodia que a muitos encantaria — mulher de beleza sem igual, que nenhum amor inspiraria. Pois que a própria beleza nada seria, se não houvesse a Poesia.
Por fim, meu caro leitor, se não houvesse a Poesia, você mesmo não leria, um texto em que se repetisse a mesma expressão — pieguice — de alguém que não saberia viver, se não visse o mundo com o olhar atento, de quem acredita que há Poesia em tudo. E que, como todo Poeta, sonha em respirar Poesia e enxergar os versos que flutuam visíveis/invisíveis, por todo o planeta, ao sabor dos ventos.

Posso Saber Qual é a Sua?

Posso Saber Qual é a Sua?
Erivelto Reis




Está chegando o dia Internacional da Mulher e eu fico pensando no velho bordão que, vez por outra, ouvimos alguém repetir quando se esquece de alguma data comemorativa: “Mas, e todo dia não é dia da... / do... / das... / dos...?” (Complete as reticências com as datas que você mais esquece!).
Amigos, não se iludam: dia de alguma coisa ou de alguém é pra ser comemorado e reverenciado no dia marcado. Porque se alguns esquecem de prestigiar uma data, no dia que é determinado pra comemorá-la, quem garante que irão lembrar-se nos outros dias em que não se comemora oficialmente?
Daí, a pergunta contundente presente no título.
Posso saber qual é a sua posição no que se refere às mulheres?
Há que se amar as mulheres. Amar de forma ampla, desinteressada, entendendo-as e respeitando-as como seres divinos que de fato são.
Há homens que dizem: “minha mulher é um anjo. Pra voar só faltam as asas!”; e outros que, seguindo quase a mesma linha de raciocínio, são capazes de afirmar: “pra minha mulher voar, só falta a vassoura!”.

Onde já se viu uma coisa dessas?!

Sei que a Mulher está cada vez mais independente e ser ou não casada, não é uma questão fundamental para sua independência. Mães, Filhas, Avós, Esposas e demais papéis familiares e sociais... Ser Humano!
Sei que o Brasil está deixando de ser um país machista. E está se tornando um país em que os homens estão empenhados em valorizar a grandeza e a importância da mulher. E se não estiverem, que tal começar agora?!
Imaginem a cena: a esposa assistindo à novela, (dois dias já com o mesmo short; sem se depilar, o equivalente a não fazer a barba – excetuando-se as questões de gosto, que gosto não se discute!), pedindo um suco, ou uma cerveja ao marido, que resignado e bem disposto, vai até a geladeira pela décima vez, enquanto ouve o romântico pedido feito aos berros: “Amoooor, traz um tira-gosto aííí!!!”; ao mesmo tempo em que torce pelo protagonista ou por sua personagem preferida. “Vai Juvenal, se declara logo pra Alzira! Evilásio, casa logo com a Júlia! Maria Paula desmascara o Marconi Ferraço!” – se você assiste a outras novelas, perdoe-me a ignorância novelística! – e assim, quando o pobre marido exausto, percebe que acabou o capítulo daquele dia e se prepara para um carinho nos braços da mulher amada, eis que ela joga uma blusa amassada e suada em cima dos ombros e diz: “vou sair pra comentar o capítulo com as minhas amigas!”...
Imaginar que a mulher seja capaz de tais atitudes pode parecer deslocado, incorreto, e, mesmo essa analogia entre o homem e o futebol e entre a mulher e a novela, pode soar meio machista. Supor que em pleno século XXI existam coisas exclusivas e inerentes apenas aos homens ou somente às mulheres é ser antiquado.
Hoje, não há nada que as mulheres não façam. Me sinto tentado a completar: “tão bem quanto os homens”, mas não o faço porque sei que há homens que não fazem nada direito... E também por ter a plena convicção de que a evolução da humanidade não deve sustentar-se numa guerra entre os sexos, numa competição tola e cujo propósito não determina quem ganha, porque todos perdem quando um ser humano inferioriza a seu semelhante mediante qualquer tipo de critério.
Certo é que algumas das coisas mais importantes da vida se nos expressam as suas idéias por serem substantivos femininos. A propósito, a poeta Maria Rezende escreveu: “(...) O amor a gente carrega. / O amor é de cada um / substantivo feminino / de conjugação comum”. Querem exemplos? Cito-os: a vida, a água, a Terra, a natureza, a esperança, a sorte, a luz, a emoção, a saudade, a felicidade, a paixão, a alegria, a saúde, a paz, a verdade, a justiça, a democracia, a honestidade, a inteligência, a beleza, a delicadeza, a perseverança, a fé, a fraternidade, a caridade, a arte, a educação, a cultura... E por aí vai.
Mulheres operárias, donas de casa, empresárias, artistas, desempregadas, professoras, estudantes... Profissionais de todas as áreas. Exercer uma profissão é um papel importante, fundamental. Mas ser mulher é um dom divino. Parabéns, Mulheres!
Pela lembrança de todas as que lutaram e construíram esse mundo (ou que impediram que ele fosse pior do que é), pelo futuro das gerações vindouras... A todas as mulheres, minha homenagem presente.

VOCÊ NÃO É O ÚNICO

VOCÊ NÃO É O ÚNICO
Erivelto Reis





Você não é o único que tem problemas financeiros; que não gosta de mentiras; que não conhece a verdade; que não entende nada; que pensa que sabe tudo.
Você não é o único que paga a conta sozinho; que tem insônia; que “dorme no ponto”; que tem saudade; que não encontra a saída; que conhece a “porta da rua”.
Você não é o único que sofre por amor; que não vê o pôr-do-sol; que põe defeito em tudo; que não acha graça em nada; que acredita em fadas; que duvida de Deus; que nunca lê a bula; que avança os sinais; que não reconhece os divinos sinais.
Você não é o único que não é bom de bola; que espera na fila; que não escuta Bossa Nova; que é pai e mãe; que não tem pai nem mãe; que sai de casa cedo; que morre de medo; que não sabe ler; que não entende o que lê; que não serve de exemplo; que vive dando conselhos.
Você não é o único que vive longe de todos; que nunca teve Natal; que se emociona com a Poesia; que não consegue um trabalho; que já falhou na “hora H”; que ainda aguarda o “dia D”; que chora sem saber o motivo; que acha que morre quem merecia estar vivo.
Você não é o único que acha que já leu ou escreveu um texto semelhante a este. Mas você é o único que pode decidir que caminho vai seguir.
Não tenha medo! O medo de uma mudança não é motivo para não tentar mudar. Experimente: a vitória na vida é, simplesmente, a conquista de uma vida melhor.

COM QUANTOS ANOS VOCÊ ESTÁ HOJE?

COM QUANTOS ANOS VOCÊ ESTÁ HOJE?
Erivelto Reis



O tempo controla a sua vida? Ou será que o tempo só existe em nossa cabeça?
O tempo serve apenas para marcar datas, encontros sociais, desencontros amorosos e coisas perecíveis. O tempo não pode controlar os sentimentos ou determinar o quanto somos felizes ou infelizes. Isso é conosco.
Outro dia, pude observar um grupo de crianças que, conversando entre si, reclamavam não terem tempo para brincar, por terem diversos compromissos. Foi quando me “caiu a ficha”: o problema não é o tempo ou a idade que se tem. O problema são os compromissos que as pessoas vão assumindo ou que são obrigadas a assumir. Cronometrando uma vida por reuniões, cursos, percursos, concursos, horários escolares e jantares diante da TV, sem ter nada de bom a dizer.
Os compromissos são importantes, mas não são nossos amigos. Não são eles que nos conduzem aos nossos objetivos ou à realização de nossos sonhos. Isso quem faz é a nossa determinação, a nossa perseverança.
Nossos compromissos mentem! Eles nos dizem que o tempo é nosso inimigo. Os compromissos nos levam a odiar o tempo. E como o tempo passa incólume ao amor ou ao ódio, terminamos por odiar a própria vida.
Não devemos nos iludir, querendo toda a felicidade do mundo só para nós. Ou julgando que os outros só são felizes por possuírem aquilo que não possuímos. Felicidade é se sentir bem!
Assim como as crianças cheias de compromissos e sem tempo para brincar, eu também conheci gente idosa vivendo feliz e curtindo a vida, a família, os amigos e o saboroso vício de amar. Eles venceram o tempo porque compreenderam que só valorizando a essência do ser humano e buscando ser feliz por seu próprio esforço é que a vida pode ter algum sentido.

Agora, a decisão é sua: com quantos anos você está hoje? Qual é o seu compromisso com a felicidade?

SEPARAÇÃO

SEPARAÇÃO
Erivelto Reis





Ele chega à porta da casa da ex-mulher. A separação é recente. Toca a campainha e aguarda. Lá dentro ela já sabe que é ele. Os ressentimentos são muitos, e os encontros têm que ser muito bem elaborados e programados.
– Trouxe meu filho? – Ela pergunta.
– Está no carro. Eu vou buscá-lo. – Ele responde.
– Não precisa, eu mesma o pego.
– Você está querendo é afastá-lo de mim, isso sim!
– Não vai começar com essa maldita história outra vez. Você sabe que ele é meu por direito. E é a mim que ele ama.
– Você sempre quis mimá-lo mais do que devia. E esqueceu que dentro do nosso relacionamento havia outros sentimentos que teriam que ser avaliados e reconhecidos. Eu também o amo. Mas não com esse sentimento mesquinho e possessivo que você tem.
– Ah, agora eu sou possessiva?! Mas na hora que ele ficou doente, eu é que cuidei dele. Nos domingos pela manhã, eu é que o levava ao parque para brincar, Levava-o ao calçadão, à praia e as festas dos seus amiguinhos...
– Você praticamente me impedia de levá-lo ao campo comigo, com medo que ele tomasse uma bolada ou que se machucasse.
– É porque você nunca deu carinho suficiente nem pra mim nem pra ele. E se você fosse negligente só comigo, eu ainda poderia suportar. Mas o descaso com relação ao meu filhinho, isso é que eu não ia permitir.

– Até psicólogo você me fez pagar para ele. E ele só tem quatro anos. Eu fiz todas as coisas que um pai poderia fazer por um filho...
– Você e esse seu insuportável materialismo. Abre a porta desse carro agora! Vem, meu filho, vem com a mamãe, vem!
– Era de se esperar que você se comportasse dessa maneira. Querendo fazer de mim um monstro sem coração. Você nunca me respeitou. E negou os meus direitos como pai. Eu deveria ficar mais tempo com ele em nossas visitas. Passar os fins-de-semana... Essas coisas!
– Pai não é aquele que faz. Você já deveria saber disso! E nesse caso você nem fez nem criou o meu filho!!!
– Você é muito baixa mesmo! Como você pode me jogar na cara que eu não fiz o nosso filho. Você também não o fez!
– Mas o adotei, criei e o eduquei como se fosse. Já você, nem a isso se dignou.
– Quer saber de uma coisa? Eu vou embora, e você não perde por esperar, porque eu vou mandar o meu advogado entrar em contato com o seu, e vou lutar pela posse do meu filho. Passe bem! Tchau, meu filho, papai volta semana que vem!
O homem se despede, deixando a mulher furiosa à porta de casa; os vizinhos inconformados e horrorizados ante a discussão. E o cachorro, pivô da separação, dito filho do casal, fazendo cocô na calçada, alheio a qualquer problema.

O HERÓI

O HERÓI
Erivelto Reis




O Cinema é uma das coisas mais incríveis já inventadas pelo homem. Essa máquina de vender sonhos,criar ilusões e de “fazer doido”, diverte, emociona, educa, informa, encanta e faz crer cada dia mais que o mundo é pequeno. E se alguém tem participação fundamental no sucesso e no fascínio do Cinema sobre o público, esse alguém, com certeza, é o herói: figura lendária que existe desde que o mundo é mundo e que sempre acha um jeito de se dar bem.
O herói sai na chuva e não se molha; pega fogo e não se queima; cai e não se quebra; pula e sempre alcança; fica pendurado e não balança; ama e é correspondido; mata e não é odiado; destrói e não paga; sai por último e chega primeiro; afunda e não se afoga; fala qualquer idioma; conhece qualquer costume; quebra algo e não conserta; olha pro telefone ao desligar; é mais fraco e sempre vence; é surpreendido e sempre reage; avisa que vai fazer, quando vai fazer e como vai fazer e faz; está perdendo e vira o jogo; apanha, apanha e não desmaia; é suturado sem anestesia e não faz careta; escapa de rajada de metralhadora, de cão treinado, de ataque de tubarão, de cilada, de tanque de guerra, de avião de caça, de helicóptero Apache, de flecha envenenada, de acidente de moto, de carro e de bicicleta. Só leva tiro sem gravidade ou de raspão. Uma surra lhe causa maior dano. O herói não cai do cavalo! E quando cai, a sua força fica ainda mais evidente.
O herói é sempre irresistível. Tem domínio absoluto sobre o vício do álcool, do cigarro, das drogas e do jogo; aliás, o herói sempre conhece todos os macetes, todas as estratégias, todos os códigos de todos os programas de computador, todas as mulheres, todos os inimigos, todos os esconderijos, todas as saídas de emergência, todos os atalhos. O herói é insaciável, incansável e incorruptível.
O herói é bem-humorado, ético, fiel e astuto. O herói é perspicaz, audaz e capaz. O herói é gentil com as senhoras, é sincero, honesto e trabalhador. O herói é habilitado para dirigir qualquer veículo, pilotar qualquer aeronave, espaçonave e embarcação. Comanda qualquer exército, elimina qualquer oponente, combate qualquer ameaça científica, biológica, química e tecnológica. Luta todas as artes marciais, maneja todo tipo de armamento, faca ou espada.
O herói não paga Imposto de Renda. Multa então, nem pensar! Jamais recebe um salário à altura de seus préstimos. Nunca vai à igreja, ao supermercado, à escola, ao médico, ao shopping, ao cinema, à praça ou a qualquer lugar público, se não for para salvar alguém ou para confrontar-se com seus dogmas pessoais. O herói é obcecado, compulsivo, perturbado, esquizofrênico, frustrado, imponente, sarcástico, irônico e lacônico.
O herói é sempre traído por alguém em quem confia. Tem um pai que é um exemplo, uma mãe dedicada, uma secretária atrapalhada, uma mulher compreensiva e uma amante temperamental (ou vice-versa) e uma filha rebelde. E apesar de ter a família, o país e os amigos ameaçados, ou de não ter família (o que quase sempre explica o heroísmo!), o herói passa a maior parte do tempo ajudando as pessoas que ele não conhece. Portanto, não é aconselhável manter um relacionamento de proximidade com o herói, além do que existe entre cinéfilos e personagens. Sabe como é: de repente você poderá precisar dele e ele não estar nem aí pra você!

A Inveja é uma Verba

A INVEJA É UMA VERBA
Erivelto Reis

Tanta gente boa que anda sofrendo com a inveja alheia que não é exagero imaginar que haja uma conspiração para impedir quem quer que seja de se organizar e crescer em qualquer área da atividade humana.
Os nomes são diversos pra o mesmo problema: olho-grande, olho-gordo, seca-pimenteira, invejoso, despeitado, ciumento, etc. O individuo alimenta-se da própria invídia e esta serve de verba para financiar a sua cruzada zelotípica. Compliquei? É simples: quanto mais se inveja alguma coisa, mais a inveja se reproduz dentro de nós.

Agora, vejamos: ninguém tem inveja, da inveja de quem tem inveja.

Importante é não confundir inveja com outras coisas. Ambição não é inveja, é um forte desejo, um grande anseio. Destina-se a projetar no elemento o desejo de atingir coisas notoriamente importantes: um cargo, uma colocação, uma realização. A inveja assume um caráter mesquinho, porque não é que o indivíduo queira ter o que você tem (seja lá o que for que você tenha!), ele quer, simplesmente, que você não tenha. Ele quer aniquilar você. E não se trata de competição. Isso subentenderia condições iguais, disputa declarada e sujeita a regras éticas e morais.
O invejoso pode esconder-se atrás de uma falsa moral, mas a ética, por ser transparente, não permite que ninguém se esconda atrás dela. Você pode ver e ser visto pelo seu prisma, mas, ao tentar distorcê-la e manipulá-la você estará impedido de enquadrar-se como ético. Patético talvez, e só.
Os que ocupam ou vivem em uma posição que sirva de parâmetro para outros estão acostumados a conviver com a ambição que despertam, mas o alvo do invejoso, em geral, não sabe que bem ao seu lado está alguém que nutre um sentimento tão feio e patológico. Os que percebem, procuram viver o mais discretamente possível. Outros ainda, desenvolvem rituais complexos de isolamento dos raios invisíveis da inveja: evitam contato com o invejoso, utilizam-se de figas, benzeduras, ramos de arruda, dentes de alho – até de ferraduras; se não for possível, escondem bens materiais e realizações pessoais. Por bens materiais, entenda-se desde um vaso de planta até um curso de computação, um fusca velho, um puxadinho no Alemão, ou... (complete com aquilo de que você tem inveja ou com o que invejam em você).

Não queira mal a quem tem inveja de você, mas também, não baixe demais a guarda. O invejoso não é um mau caráter. É bom caráter com mau costume. A inveja tem jeito. O que não tem jeito é a falta de semancol, de desconfiômetro. Ouço falar, e até sou usuário da expressão “inveja boa”. O invejoso não é um monstro. É um herói japonês tão feio como o monstro contra o qual luta. Monstro feio, grande herói; monstro ridículo, herói mais ainda. Não é uma posição confortável, mas acontece.
Não é minha intenção esgotar o assunto, nem poderia. Não há cronista, poeta ou escritor que possa realizar tal façanha! Portanto, deixo com você que me lê a incumbência de observar, dentro de suas relações, quantos e quais são os invejosos de plantão. Advirto que brigar e romper relações com os mesmos, talvez não surta os efeitos pretendidos. De qualquer forma, não vale a máxima que diz: “se não puder vencê-los, junte-se a eles”, pois nesse caso eles terão vencido. Muita luz em seus caminhos.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

"O QUE ACONTECE COM O PENSAMENTO QUANDO A GENTE MORRE?"

"O QUE ACONTECE COM O PENSAMENTO
QUANDO A GENTE MORRE?"
Erivelto Reis
Antes que os leitores se apressem em supor que o cronista esteja buscando uma atuação no campo da filosofia, é necessário que se diga que esse questionamento não é dele. Nem de um filósofo grego ou do Dalai Lama. Essa frase é da Nathalia, uma menina de apenas cinco anos, filha de um casal meu amigo.
Sobre o tema da morte, incontáveis autores debruçaram-se (alguns com veemência)... até que cessaram. Por coincidência, quando...
Cassiano Ricardo escreveu que “desde o momento em que se nasce já se começa a morrer”; Manuel Bandeira, especialista em “viver morrendo” e em descrever tal agonia, refere-se através de eufemismos à “Dama Branca”, fala sobre “a indesejada das gentes”, a “iniludível” ou sobre pessoas que “adormeceram profundamente”; no poema “Aniversário”, Drummond nos surpreende ao rimar a morte com seu eufemismo “porta”; Mario Quintana idealiza a fatalidade, desejando que ela chegasse como “um céu que pouco a pouco anoitecesse”, sem que suas vítimas se apercebessem.
Mas, sobre o que acontece com o pensamento, sou obrigado a reconhecer diante do leitor a minha inaptidão em recordar de poemas sobre o assunto. Possivelmente eles existam, pois os poetas se ocupam sempre daquilo que há e também do que haverá. O poeta nota a falta que algo nos faz, antes mesmo que nós. Certamente os filósofos e os teólogos devem ter explorado o tema ao máximo... É pensar muito sobre o pensamento!
O inusitado questionamento tem o mérito de denunciar (involuntariamente) a imperceptível sombra sobre as cabeças daqueles que amam e daqueles que fingem não saber amar: a volúpia do tempo que nos consome. E, não há forma de explicar a quem se perde dos que ama, não o itinerário, mas a ausência do pensamento tornado real através de boas ações e de gestos de carinho. Deitar todo um rosário de dogmas e doutrinas; crer num paraíso prometido são paliativos para a constatação da extinção do pensamento, ausência do sorriso, lembrança das mãos hirtas e o nunca mais...
"O que acontece com o pensamento quando a gente morre?" É a leitura pertinente de um fato de que poucos se dão conta: só nós sabemos como nos relacionamos com o que somos e o que pensamos ser. E como o que pensamos ser nos fará falta quando não formos mais nada. Clarice Lispector sabia disso. E usou a sua Macabéa para nos alertar: “Eu vou sentir muita saudade de mim quando eu morrer”. Cecília Meireles também sabia: “(...) sei que estarei mudo, mais nada”. E o poeta Alphonsus Guimaraens Filho foi categórico quando afirmou: “Se não for pela poesia, como crer na eternidade?”
Meu amigo, não perca seu tempo. Eduque-se e condicione-se aos bons pensamentos, aos bons sentimentos e às boas ações. O exemplo das notáveis personalidades citadas anteriormente, permanecerá para sempre, na medida em que aqueles que foram tocados por suas palavras presenciais, literárias, ou surgidas como inspiração criativa (como no caso da nossa querida Nathalia), servirem para prestarmos honras ao pensamento daqueles que não estão mais conosco. Viva sua vida intensamente. Produza, nem que seja um sorriso. Alimente seu espírito com bons livros, bons quadros e bons filmes. Se tudo isso parecer distante do seu mundo, haverá sempre um pôr-do-sol, e “as palavras sinceras que um amigo nos diz”, que poderão fazer você mais feliz.
Pensar e amar são verbos de fácil conjugação. Perdoar e lembrar também. Esse é o legado que podemos transmitir pra alguém. Fazer em nossa jornada o melhor que pudermos, resistir ao mal que julgávamos inerente e saber que o passado nos ajuda a olhar pra frente. Os que passaram por aqui agradecerão imensamente.
O Pensamento e a Alma são como Adão e Eva, no que concerne à criação: Aquele que os criou os tem na palma da mão. E ao se extinguirem os guarda em seu coração. É esse o nosso destino! (?) Agradeço a você que me leu até aqui e agradeço à pequena Nathalia, que olha para a vida “com os olhos de quando éramos meninos”.
Erivelto Reis nasceu em 1976, em Rio Verde, Goiás. Veio para o Rio de Janeiro, aos três anos, com sua família. Filho de José de Arimatéia e Maria Aparecida da Silva Reis e irmão de Erivaldo, Erialdo e Elton. Erivelto é casado com a professora Gloria Regina e o casal tem três filhos: Allynie, Erick e Ian.
Poeta, escritor, cronista, ativista e produtor cultural. Tem dois livros publicados: “Sem Rima” (Poesias - 2004) e “Somos” (Crônicas e Poesias - 2007). Escreveu crônicas para os jornais “O Guarazão”, da região de Guaratiba e “O Amarelinho”, de Campo Grande, ambos na cidade do Rio de Janeiro, o que lhe valeu uma Moção da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro em 2004. É professor formado em Letras (Português – Literaturas) e Especialista em Estudos Literários pelas Faculdades Integradas Campo-grandenses. Atualmente, faz especialização em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ.
Em 1998, no curso de Teatro Laboratório, no Teatro Arthur Azevedo, conheceu o poeta Primitivo Paes, seu amigo e grande incentivador. A partir de então, passou a dedicar-se efetivamente à carreira como escritor. Juntos, Primitivo e Erivelto, já somam, em onze anos de carreira, mais de mil apresentações em escolas, praças públicas, teatros, centros culturais e eventos em todo o Estado.
Como ativista e produtor cultural, coordenou em 2006, o I Encontro de Poetas do Rio de Janeiro, na Lona Cultural de Campo Grande. Ingressou, em 2005, no Instituto Campograndense de Cultura, a convite da então presidente Marly Monte Araújo, e participou da produção da I Jornada de Letras do Instituto Campograndense de Cultura e da confecção da Revista comemorativa dos 40 anos do Instituto em 2007, além de ter participado, como jurado e, posteriormente ao seu ingresso no Instituto, da produção do Projeto “Novos Talentos do ICC”. Em 2008, passou a fazer parte do quadro de membros efetivos do renomado instituto, ocupando a cadeira número 8, que pertencera à professora Leda Lúcia e cujo patrono é Freire Alemão.
Em 2007, participou, com um poema, de uma Mostra de Poesia e Artes Plásticas no Centro Cultural Ariano Suassuna, na Barra da Tijuca/RJ. Em 2008, participou como jurado, do concurso nacional de poesias da Revista Day By Night e em 2009, sempre ao lado do poeta Primitivo Paes, da I Mostra de Poesia Brasileira na Cidade de Maricá.
Vencedor do Prêmio FEUC de Literatura em 2005 e 2009, seus poemas constam de inúmeras coletâneas e antologias pelo Brasil. Recebeu também o Prêmio Expressão Cultural da Coordenadoria Regional de Cultura da Zona Oeste em 2005 (coordenador de grupo), 2006 (ativista cultural) e 2008 (escritor). Participou da organização e da produção das XVI, XVII, XVIII e XIX edições da Semana de Letras da FEUC e dos XI e XII Fórum de Educação, Ciência e Cultura da mesma instituição.
Recebeu o troféu comemorativo da I Jornada de Letras do ICC. Em 2005, por indicação do escritor Roberto Sobral, foi agraciado com a Medalha de Honra ao Mérito comemorativa dos 46 anos da Associação dos Taifeiros da Armada da Marinha do Brasil. Participou de diversas edições do Aniversário de Campo Grande, o que fez com que em 2007, recebesse mais uma Moção da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.
Em 2005 foi citado, por suas atividades culturais, pelo Ministério da Cultura no Programa Nacional de Incentivo à Leitura e à Literatura, como um dos fomentadores da leitura e da Literatura no Brasil. Frequenta eventos culturais em toda a cidade. Seus poemas e suas crônicas estão disponíveis para leitura em diversos sites.
Trabalha arduamente para que a Literatura e a Arte possam ser acessíveis a todos, independentemente de qualquer aspecto sócio-econômico. E que a Cultura que emana de todas as regiões do país possa ser reconhecida e valorizada.