Quem sou eu

Minha foto
Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Crônica: É, Pai... - Erivelto Reis

É, PAI...
Erivelto Reis


É bom que meu pai nem saiba o quanto por mim é amado. Senão é capaz de chorar. Não é amor negado. É amor velado. Guardado. É um amor manipulado para não manipular. É Caixa de bibelô. Coisa que se faz de frágil para não fragilizar. É amor verdadeiro. Ou que um dia será.
O amor paterno é um amor profundo. É um amor sagrado. É santo de barro no andor da vida. Copo que não se derruba. Aceno gentil de mão. É minha mais antiga ruga. É a vida dura. A curva da estrada. É perder o medo do escuro. É não ficar inseguro.
É bom que ele nem pense no quanto por mim é amado. Senão é capaz de chorar, é capaz de sofrer. De pedir perdão por coisas que eu não possa perdoar porque não saiba esquecer. É bom que ele não pense. Que apenas sinta. Talvez evite que eu minta.
É bom que ele me inclua e que conte comigo. Que, mais do que pai, queira ser meu amigo. Que seja honesto. Que ame os netos. Para se redimir. Para exemplificar. Para que prove que é sempre possível melhorar.
É bom que ele não leia. Que não me leia. Que ignore meus textos de ar e matéria. Mas que saiba, por portador fidedigno, que é pai de um menino que escreve versos e loas, que é até gente boa. Embora não chegue nem perto da popularidade de seu pai. É bom que não se compare. Que compreenda que a vida é assim. É bom que ele não saiba, mas que dê pistas de que, de vez em quando, pensa em mim.
É bom que ele não saiba do meu orgulho, do meu respeito e que o imito... do meu jeito. Talvez eu não dissesse antes, por sentir menos, por não perceber que sentia. Sentimento não é ciclo de vida. Ciclo de vida é tempo que a gente sente passar enquanto não sente amor.
Mas chega um tempo em que somos sinceros para elogiar e não para fingir. Para pedir desculpas e não para agredir e afastar. Chega um tempo que é tempo de ouvir e de ficar calado. Chega um dia que é feito para abraçar. Escrever homenagens, mensagens, falar de saudades e de remorsos.
Talvez para desejar que o amor entre pais e filhos perdure até o final dos tempos. Até no tutano dos ossos.

sábado, 9 de julho de 2011

Crônica: Resto de Coca-Cola - Erivelto Reis

RESTO DE COCA-COLA

Criança fora da escola. Trabalhador sem salário. Gente pedindo esmola. Exploração no trabalho. Solteirona que persegue. Alcaguete que não negue. É resto de Coca-cola.
Porteiro, irmão do ricaço. Fazer papel de palhaço. Figurante atrás da árvore e sem fala. Barba rala. Pedaço fraco de barbante. Falta de descongestionante. É resto de Coca-cola.
Dor de dente. Visita de parente. Pente quebrado. Operário acidentado. Professor doente. Servir cerveja quente. É resto de Coca-cola.
Braguilha desembestada. Homem, velho ou novo, sem palavra. Foto da identidade. Quem nunca fala a verdade. Nota falsificada. Levar tombo da escada. Gente que não vale nada. É resto de Coca-cola.
Menino que usa droga. Homem que bate em mulher. Noiva que “dá no pé”. Falta de educação. Soberba. Submissão. É resto de Coca-cola.
Falta de pontualidade. Ferir, com sinceridade. Ficar feliz com a maldade. Agredir, entrar “de sola”. Inveja. Injustiça. Impunidade. É resto de Coca-cola.
Humilhar quem quer que seja. Calúnia. Injúria. Penúria. Não dividir a despesa. Malícia. Preguiça. Avareza. Ira. Falta de mira. Luxúria. Marido que trai. Surra do pai. Avó que falta, mãe que maltrata. É resto de Coca-cola.
Poema desperdiçado. Texto mal revisado. Vizinho desaforado. Depender do Estado. Família que só discute. Fotomontagem no Orkut. Aneroxia. Bulimia. Bullying. Vídeoesculacho no Youtube. Perfil falso no Facebook. É resto de Coca-cola.
Atacante, impedido, pedindo bola. Doping. Cabelo na mariola. Disco arranhado na vitrola. Dormir sozinho. Trocar presente. Bueiro que explode gente. Explicação pouco convincente. É resto de Coca-cola.
É coisa que ninguém quer. Que esqueceram. Que abandonaram. Irrefletido, desagradável, inconcebível, Inaceitável. Não é bonito. É agressivo. Que não faz bem. Que jogam fora. Resto de Coca-cola é resto de Coca-cola.