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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Crônica: Shiuu, bene! - Erivelto Reis


SHIUU, BENE!


Erivelto Reis

Olhe em volta. O que tem visto? Oásis de crediários futuros, vindos de outras paragens. Lojas de vender comodidades, de inventar modas. De gerar divisas para outras comunidades. Marcas de que o tempo passa. Passou. Tá passando! Mas que o comércio parece não viver de passado. Desculpe, se pareço decepcionado. A Silbene fechada, com placa escrito: “à venda”, na fachada... não há quem entenda.

Quem já não se socorreu de alguma necessidade urgente comprando, ou usando o banheiro da Silbene? Quem já não se deliciou com as balas, com os sorvetes, com o suco de laranja e o misto quente comprados na Silbene? As fichas para pedir o café encorpado, os azulejos azuis, os brinquedos, a vitrine, na frente da loja, na parte de cima, decorada conforme as datas do calendário?!

Xerocar, plotar, bordar, coser, encadernar, consumir, revelar... comprar, postar, digitar, imprimir, consertar, lanchar, almoçar, variar. Tudo na Silbene. Ser bem tratado, bem atendido, maltratado, ignorado. Dependendo do dia e do funcionário... Tudo na Silbene. Olhar os quadros, comprar jornais, material escolar, carregar cartuchos, canetas e produtos, comprar agendas, livros, encomendas, bolos, tortas e biscoitos... Tudo na Silbene.

Campo Grande vai perdendo, ano após ano, algumas marcas tradicionais de seu comércio. E essa agora parece ser uma pancada forte demais. Começo com a “Sem Nome” e com a “Sunshine”, sorveterias das quais quase ninguém parece lembrar. Depois foi a vez de a “Cetel” ir pro beleléu. E o São Brás, outro dia, quase passa a existir só no céu. As Casas Pernambucanas, as Brasileiras, as Paraíbanas. Sem falar da Luzes, que mais parece uma fênix a ressurgir das cinzas... O Café Brasil, a Sugared, a pedir a eutanásia ou sobrevida comercial. Onde antes havia um Varejão das Fábricas, hoje um Santander se abancou; onde antes havia uma Ultralar, uma Toc, uma Magal... Hoje há uma Pacheco, uma C&A, uma Superlar. E olhe lá.

Quem não se lembra da Calçados Vilma, da Sapasso, da Casa Mattos, que a Di Santinni fez dar no pé. O Cine Palácio e as filas intermináveis para assistir os filmes em sessões duplas de sonho e travessuras. As irmãs: Anderson e Daniele modas, as Casas Sendas, O CredReal ao lado das Americanas, o BEMGE (não o cachorrinho); o Disco, o Leão, o Rainha, as Casas da Banha, o Supermercado Rio, a própria Rua Barcelos Domingos, esquina com a Rua Campo Grande, que hoje é um calçadão.  Ali, encontra-se a estátua de Adelino Moreira, como patrono e vigia de uma eterna água de sabão que escorre sem explicação. Lava roupa, Adelino! Ou então, denuncie, Negue.

Lembro, ainda, a Musidisc, a Gramophone, a Espaço Musical. A drogaria Romeiros, onde, hoje, há a esquina da Ricardo com o Guanabara, o Audi Shopping e o Passeio. A torrefação do Café Câmara na Estrada do Monteiro. Parece que houve uma drástica operação plástica em Campo Grande inteiro. Nem o Colégio Belisário vai escapar de ingressar no inventário. A memória até ajuda, mas a vida é curta para resgatar o que não for registrado.

Torço para que os funcionários da Silbene possam, logo, logo, estar empregados. Torço para que a História não se perca. Torço para que as casas tradicionais que ainda restam, persistam. Para que a Associação Comercial possa continuar valorizando os empreendedores locais, sem se esquecer de valorizar as manifestações culturais. Pena, pela Silbene. Temor pelo que vem pela frente. Shoppings são espaços comerciais construídos para serem atemporais. Quando o futuro fecha as portas à tradição erigida, é sinal que o passado, tão importante, na verdade, não importa mais. Vai ver, não é bem assim. Em todo caso: shiuu, bene!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Poema: (Trans) parentes - Erivelto Reis

(Trans) parentes


Erivelto Reis



Quem tem o olhar perdido

Na estação da vida que não foi.

Quem viu a festa desfeita,

Interrompida,

A conquista adiada.

Quem não viu nada,

Mas ficou com as horas da vida marcadas,

Sabe que uma ruga, um tremor na voz

Não dão conta do espanto do depois do fato,

Do desalinhar dos passos.

A destruição do ser é tão forte, tão intensa...

Mas ainda há flores e sol no inverno do ser só

Mantimentos na despensa, ilusão de desmanchar o nó.

O que dói por dentro é o latejar do pensamento...

Talvez a saudade seja o chicote do tempo,

A farpa que incomoda e maltrata,

Castigo de uma memória inexata.

Ancestrais, descendentes: simples... Gente!

Humilde ruína carente

Semelhantes pela cor do olhar,

Unidos pelo amor que falta.