Quem sou eu

Minha foto
Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

domingo, 28 de outubro de 2012

"QUASE TOLOS" - Poema de Erivelto Reis

QUASE TOLOS

Erivelto Reis


Sou da horda dos que bebem sozinhos,

Dos que choram calados,

Dos que esperam de pé, desesperados,

Dos que não faltam, não se atrasam,

Dos que frequentam, dos que participam,

Dos que, comumente, são chamados de chatos.

Sou da horda dos que bebem cicuta,

Que não queimam pneus,

Calorias ou gordura.

Dos pré-infartados,

Dos que estão fartos

De falsidade, fofoca...

E da porra dos outdoors que enfeiam toda a cidade.

Sou da horda dos que mendigam aprovação,

Respeito, carinho, justiça e qualificação.

Sou daqueles que ouvem o ruído do vento

E se fecham em copas.

Dos que falam bobagem,

Contam piadas, fazem piada com a vida própria.

Pertenço ao bando dos que acreditam

Na poesia e em todos os campos:

Da primeira à sétima arte.

No sexto sentido,

Nas sete pragas do Egito...

Nas palavras sagradas das religiões do mundo.

E que duvidam das palavras gastas

De quase todos os religiosos do mundo.

Prefiro exemplos:

O diamante e o carvão são apenas

Maneiras diferentes de organização do carbono...

Sou da horda dos improváveis, dos impossíveis.

Igual aos anjos de bronze

Que se beijam, se olham e fazem sexo

Eternamente,

Sem explicação e sem sentir sono.

Eternamente e em cruel abandono.



sexta-feira, 12 de outubro de 2012

"Cemitério de Equimoses" - Crônica de Erivelto Reis

CEMITÉRIO DE EQUIMOSES


Erivelto Reis

A vida é um cemitério de equimoses. Mas pode ser um jardim de virtudes. Quem, ao longo da existência, não colecionou marcas? O tempo deixa manchas, nódoas. O tempo poda. Cobra o preço. O tempo sempre sabe o seu endereço.

A vida é a soma das dores experimentadas; das conquistas celebradas. São mãos entrelaçadas num namoro de almas. Quanto de alguém há no aceno da partida? Quem fica do outro lado da vida, fica feliz? Quem é que diz? Como se cura a dor da alma sem deixar uma cicatriz?

Não me lembro de quando, exatamente, passei a sofrer em novembro. Que vento, que perda marcou minha pele. Mas todo ano espero a equimose da epiderme da anima. O solstício fúnebre, o franzir da testa e o latejar da têmpora da enxaqueca da saudade, seca... O equinócio da ausência no suspiro suspenso em presença do etéreo. No campo santo do cemitério, no sagrado pulsar da aorta, às vezes os vivos estão mais sepultados que a lembrança obsessiva dos entes que os faz desterrados.

Que neve gelou meu corpo? Que frio estancou meu sorriso? Que aceno ficou sem resposta? Dizem que a gente sofre porque gosta, pelo remorso de ser a viga que sustenta o próprio destroço. A cacimba que não acha o fundo do poço. A porta que guarda e esconde as emoções num calabouço, na esperança de que a dor estanque, perseverando para que o amor nos siga.

Que cinza, que tato há sobre a pele do espectro do que, em nós, é memória? O fim da vida parece destoar do começo da História. Não é uma coisa boa. Magoa. É uma mancha assimétrica e instantânea que marca o corpo, o espírito e a mente da pessoa. Maltrata, e consome. Com o tempo, se abranda. Mas não some.

É a foto desfocada do desato, da tragédia. Não se limita a marcar e a doer, se grava na retina do olhar para o que não se vê. A vida é um cemitério de equimoses. Mas pode ser um jardim de virtudes. Só depende de não sepultarmos a fé, a ética, a esperança, o amor e as nossas melhores atitudes.