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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 13 de abril de 2013

Crônica: A mulher que pega fogo - Erivelto Reis



A MULHER QUE PEGA FOGO
            Erivelto Reis

            Paula e Márcio vivem juntos. Paula é lógica. Márcio é louco. Márcio é mágico – ilusionista, coitado! –, e Paula, que não é malabarista anda no sufoco. Se dão bem quando tudo vai bem. Quando não, aí tem. Paula não bebe. Márcio parece que bebe. Paula solta fogo pela venta e não esquece. Márcio é rebelde e não aprende e nem obedece.
            Acontece...
            - Márcio, tu vai aonde? E quando volta? Márcio, fecha a droga da porta! Não acabei de falar.
            - Paula, eu volto já. Vou voltar, não tenha medo.
            - Aí é que eu tenho.
            Márcio anda no note, não nota que a coisa anda meio torta. O azar raspando ao seu lado. Anda sisudo, casmurro, demorado. Misterioso e calado.
            Paula parece preocupada. Vigiando. Enxerga coisas que Márcio não nota. Paula anda cheia da nota. Paga tudo. Pecado, imposto e plano.
            Márcio, cuidado! Paula anda te sacando.
            - Tu quebrou o aparelho. Fora daqui, pentelho!
            Márcio saiu fugido de casa. Foragido. Banido. Passou o dia escondido. Pensativo. “A gente só devia quebrar o que soubesse consertar. Aí acabava o azar...” Esperou chegar a noite para poder voltar.
            Paula tinha boa memória e não corria do jogo. Soltava fumaça de talco quando calçava tênis. Parecia uma mulher que pega fogo.
            - Boa noite, querido.
            - Boa noite, Paula.
            - Tudo bem?
            - Tudo bem, Paula.
            - Já jantou?
            - Já, Paula... Você não tá nervosa?
            - Não, Márcio.
            - Não vai brigar comigo?
            - Não, Márcio.
            A culpa deixa o sujeito monocórdio. A razão deixa a outros verborrágicos.
            - Toma um banho e vem deitar.
            - Camisola nova, Paula?
            - Sim. Pra você.
            - Paula, pra quê essa água fervendo? Vai fazer café?
            - Nada não, Márcio.
            - E essas facas de churrasco em cima da mesa?
            - Nada não, Márcio.
            - Paula, isso é veneno de rato?
            - É, Márcio...
            - Mas aqui não tem rato!
            - Certo.
            - Paula, desde quando você tem espingarda?
            - Não tinha, Márcio.
            - Arrumou quando?
            - Hoje. Comprei no crediário.
            - Vai fazer o quê com ela?
            - ...
            - Paula, tem uma frigideira com óleo quente no fogão!!! Vai fritar quibe?
            - Coxinhas e ovos, talvez.  – Disse ela, escondendo um pedaço de corda embaixo do travesseiro.
            Márcio nunca mais cometeu erros. Pelo menos os mesmos erros.
            Quem disse que diálogos lacônicos não produzem mudanças?