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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Poema: "O medo e a aventura" - Cícero César e Erivelto Reis

O MEDO E A AVENTURA
(CÍCERO CÉSAR/ ERIVELTO REIS)

Diante de tanta coisa junta
Ainda vale a pergunta:
O que minha geração espera de mim
Para que eu me torne um grande brasileiro?
O que posso fazer?
O que pode ser feito?
Dia a dia
A honra de carregar a pedra morro acima
E, quase chegando ao topo, deixá-la rolar
Para recomeçar
Para recomeçar
De corpo inteiro
Por mais que a pedra fira
Eu topo, apesar das topadas
Ciente de que se trata do início da caminhada
Da prática à teoria
Da teoria à prática
Professor é aprendiz, um tanto louco
Aprende com os alunos e muito
Depois, se ensina, aos poucos
E como em tudo há certo intuito
Da aprendizagem dá o troco:
Entrevê o encanto do inacabado
No inacabado do encanto
Para que a vida valha a pena, sempre e tanto.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Poema: Uma História sem Saudades - Erivelto Reis

Uma História sem saudades

Para Oswaldo

Não posso mudar a História,
Mas tenho o dever de aprender com ela.
Não sei de cor muitas datas,
Não gosto de calendários,
Mas me oriento observando
A conversa dos mais sábios
E a sapiência dos mais serenos.
Os alfarrábios, papiros e documentos
São úteis sem gente perto!
Porém, mudar o que parece errado,
É certo para quem é correto.
Arautos, ei-los aos tantos,
De cada canto, altar e andor
Saltando...
Eis que é preciso cuidado!
Em prece, com pressa, aguardo:
Que bons ventos te conduzam
Numa história sem saudades,
Meu bom amigo e de meu pai,
Meu companheiro, Oswaldo.


Poema: "Véspera" - Erivelto Reis

(V) ésper (a)...
Erivelto Reis

Esvaziada de magia
A noite quente tão fria
De vinho barato e abraços rasos...
Esmagada, como rabanada de anteontem,
Pisca, à luz da incerteza,
A esperança que viria.
Temo que daqui a alguns anos
Papai seja o varejo,
Noel, um novo cantor sertanejo.
E a ceia seja o receio
Do prato fundo cheio
Que não veio.
Entre a lágrima e o presente
Que intensões,
Que desejos se escondem?!
Queria mudar o mundo
Com a canção do John Lennon,
Com a versão da Simone,
Com as canções do Roberto...
Agora vejo que não chegamos nem perto!
Que nessa noite de festa
Haja afeto,
Não só farra;
Haja gente, haja jeito,
Muito amor em cada encontro.
Não somos restos de códigos de barra...
Que cada qual seja, não só tenha,
Que cada qual agradeça, não só peça.
Sejamos humanos, livre de planos,
Tramoias e garras...
E não papéis de presentes, verniz social reluzente,
Teatro de marionetes-ventriloquares
Há muitas casas decoradas
É preciso mais amor em muitos lares.

É preciso mais amizade nos corações e olhares.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

“A GRANDE BELEZA” OU A ÓTIMA ESTÉTICA HERMÉTICA DO CAOS OU QUANDO A BARBÁRIE DIZ SEU NOME OU OTTO LARA REZENDE OU A HORA DA ESTRELA OU A VIDA É BELA OU CENTRAL DO BRASIL

“A GRANDE BELEZA” OU A ÓTIMA ESTÉTICA HERMÉTICA DO CAOS OU
QUANDO A BARBÁRIE DIZ SEU NOME OU OTTO LARA REZENDE
OU A HORA DA ESTRELA OU A VIDA É BELA OU CENTRAL DO BRASIL
Erivelto Reis

Para Flávios e sinceros Cíceros e Sísifos

“Não se pode falar de pobreza. É preciso vivê-la.”
Irmã Maria

“Eu procurava pela grande beleza”
Jep Gambardella

                Quem disse que a vida tem de ser bela o tempo todo? Mas nos esforçamos para fingir com vigor que a aceitamos como passível de beleza. A autoria da obra de arte não se empresta a ninguém. O tesouro que ela vale, existe apenas a partir do contrato que se estabelece entre quem a constrói e aqueles aos quais se comunica o quanto ela evoca o que dói. É só.
                O filme “A grande beleza” (2013), produção Ítalo-francesa, dirigida por Paolo Sorrentino, que assina o roteiro em parceria com Umberto Contarello, e que conta com a atuação magistral do ator Toni Servillo, é um dos raros filmes em que se questiona, entre outros temas, o hermetismo da própria arte.
A cena em que a artista-mirim “produz” uma obra de arte (um quadro) diante de uma plateia de “intelectuais”, todos atrelados aos valores das práticas dos vernizes sociais relacionados e impostos, sedutoramente, pela elite econômica e política, enquanto se revolta com a condição da exposição e da expectativa dos que a assistem e se lambuza de tinta, e bate na imensa tela enquanto chora e grunhe. Neste momento há uma tomada do alto em que a criadora se confunde como criatura ou como objeto produto de si mesma ante uma obra adiada. E eis que se vê a obra. A sobra. A soberba da impossibilidade de domar, domesticar, mercantilizar o espírito da arte.
Nesse instante nos vemos, como expectadores, diante do olhar maravilhado da maioria dos personagens presentes a vernissage e angustiado de alguns dos personagens que percebem a barbárie da arte como produto imposto e cobrado de quem, se supõe, possa oferecê-lo, como se oferecem os vinhos de boas cepas e as camisas de puro linho. Arte não é grife, porque arte não é produto. Arte se faz produto, mas grifes não se reproduzem arte pelo simples fato de existirem.
Ou ainda, a cena em que um empresário afirma tocar o país enquanto os artistas apenas simulam trabalhar e produzir algo. O personagem Jep Gambardella, é um escritor que produziu um grande romance, e que posteriormente ingressa no ócio e num permanente bloqueio criativo. Suas novas reflexões advêm da observação das práticas pouco ortodoxas que, eventualmente, emergem e parecem conspurcar os contornos das hipócritas práticas sociais.
Suas relações são superficiais, mas, paradoxalmente, seus questionamentos são profundos. Ele chega a criar uma espécie de nova poética, a exemplo da Poética de Aristóteles, sugerindo práticas e convenções a serem aplicadas em um velório, como se os sentimentos e as experiências pudessem concorrer meramente para a teatralização ou dramatização das emoções.
A cena talvez mais impactante é aquela em que não há um só amigo no velório para carregar o caixão e as pessoas se entreolham enquanto os olhos da viúva buscam aflitos entre os presentes alguma condescendência para o martírio, a humilhação da constatação de uma vida que não produza amigos, arte ou saudades. Por fim, voluntariam-se algumas personagens presentes, muito mais incomodadas do que consternadas; e a câmera se fecha no olhar de dor e de sofrimento do personagem Jep. Catártico, num choro sofrido e contido, por sua condição de sexagenário, por sua incapacidade de aprofundar relações afetivas, proveniente de uma desilusão amorosa, de uma educação religiosa castradora e mitômana e de sua atual incapacidade de escrever o romance que pudesse reunir tudo o que viu e viveu.
A morte irmana e iguala, porém rejeita uma experiência que não seja fruto da emoção e da sensibilidade, uma vez que sem esses elementos vitais, a vida e os funerais são encenações mal feitas; representações de momentos em que o tempo para ou em que não avança. Diverte, entretém, mas cansa. Como os filmes e as obras sem o mágico da arte e do que ela evoca, enleva e preserva. O mistério que ela mantém e revela. O som inaudível e iniludível da vida que reverbera quando há amor.
O personagem parece questionar se a beleza decorre da vida, ou se a vida é o hiato entre o belo e o não-belo. Memória e imaginação criativa coexistem num exercício profícuo de metaficção em que os ícones da arte, da música, da poesia, da literatura, da fotografia são relidos e ressignificados, ora intertextualmente, ora intratextualmente. Alie-se a isso, a fotografia exuberante de uma Itália para além do turismo e dos lugares comuns e “Deixe esse romance começar. Afinal, é só um truque.”