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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 28 de outubro de 2017

Poema: "RH", Erivelto Reis

RH
Erivelto Reis

Deus me amaldiçoou duplamente:
Com a morte de meu pai,
E com a minha distância, a minha ausência
No dia em que meu pai se foi 
E nos dias próximos que antecederam sua partida.
À primeira maldição, ainda o desculpo,
Porque não fui o único a ser amaldiçoado,
Porque sei que a outros ele puniu mais
Severamente ainda,
Obrigando-os a penar
Com a morte de seus filhos: heranças,
Desnascimentos, fuga da lógica do tempo...
Quando Deus quer enlouquecer um homem,
O faz carregar o caixão do próprio filho,
Sem ter o poder de ressuscitá-lo...
Mas a segunda maldição?!
Porquê?!
Eu poderia ter socorrido meu pai,
Tê-lo amparado, confortado em sua dor, em seu sofrimento,
Segurado sua mão, também...
Secado o suor frio de seu rosto,
Talvez até ajudá-lo e resgatá-lo,
Trazendo-o pra casa,
São e salvo,
Para finalmente, já que Deus é quem decide,
A morte pudesse, em algum outro momento, envolvê-lo:
Lacuna, penúria de minha alma,
Sequestrar meu pai, removê-lo,
Vestindo-o com sua túnica.
A minha dor parece única,
(Deus tem um jeito antididático de ensinar!),
Meu luto é perpétuo, minha vida não é...
A isso, acaso, chamariam fé?!
Disseram-me:
“Deus protegeu e poupou você”.
Sou obrigado a reconhecer.
Tenho vergonha de olhar nos olhos de minha mãe e de meus irmãos.
Deus foi com minha cara e me escolheu
Pra não lutar – de corpo presente, com todas as minhas forças,
Até o último instante, pela vida de meu pai.
Envio o e-mail a quem?!
A qual ouvidoria celestial,
Agradecendo o empenho do departamento de pessoal?!
Deus me amaldiçoou duplamente,
Que não espere de mim nenhum cartão
Felicitando-o no Natal.


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