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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

"Marcadores", poema de Erivelto Reis


Marcadores
Erivelto Reis

Se os marcadores de livros
que uso como ritual destino hábito ou improviso
pudessem – distraindo-se de sua real função
de postar-se às portas do futuro
guardando o passado (tola ambição do sábios) ─
marcar também o que sinto, o que sofro, o que choro,
ou rio, de janeiro a janeiro, enquanto leio,
e não tão somente as páginas, os capítulos,
que parcialmente abandono enquanto
descanso, durmo, como ou me procuro,
diante da grandiosidade ou da infâmia
do que eventualmente leio,
não seriam apenas marcadores...
Eu, traça humana,
jardineiro de palavras,
não me depararia com um
utensílio extensão do objeto definidor
de sua única função:
encontraria, certamente um espelho.
Se indicassem de que forma uma história ou um verso
Ou um poema inteiro me atingiram em cheio,
revelariam um novelo, um pote de mágoas,
um litro de passado, uma lágrima de olheiras,
um descongestionante creme de cânfora.
Marcadores de livros, presos ou perdidos entre as páginas,
Iriam me manter atado
ao fundo de meus sentimentos
como âncoras.
Únicas testemunhas do momento em que
os raios de sol derretem as geleiras.


"LaBiRinTiTe", poema de Erivelto Reis


LaBiRinTiTe
Erivelto Reis

Não trazer do passado, o não-vivenciado,
o sofrimento,
a dor geminada com a existência de outros seres
não deixar para amanhã os nossos prazeres,
afazeres
a sede da busca...
Não trazer e não dividir não é uma forma de não ter
não ser é apenas uma forma de tentar ser
não herdar memória
não possuir saudade
não angariar lembranças
não ter paciência pra divagações
verborragias e reminiscências:
aritmética da patética negação da dor.
É não ter o que lembrar
que atrasa o seu tempo de morrer?
que antecipa o seu tempo de morrer?
Agora é um ferro em brasa
Ontem é uma cicatriz
o futuro é uma tatuagem,
uma marca, uma ferida, um sinal...
Há muito tempo espero
alguém pra me livrar do que penso, do que sinto
(do que penso que sinto),
pra despejar essa inquietude acumulada
Você vai extirpar o tumor,
vai aliviar a pena,
vai escrever um post, dar um print?
Nem sempre é tão simples
diagnosticar remorso, estupor,
ganância, inveja, rinite, rancor
ou labirintite.


sábado, 15 de dezembro de 2018

Poema: "Receita", de Erivelto Reis


Receita
Erivelto Reis
Porque só a indiferença
apaga o fogo
da pele febril  carente por desejo
e por experiências
de lascívia e volúpia e luxúria,
ou por amor e ternura mesmo.
Uma receita tão nociva,
um doce amargo
cálice de veneno.
Febre mal curada
gente mal amada
abraço que se fecha no vazio
ah, desperdício!
ah, precipício!
A queda é livre
o muro é alto
a boca é seca
e o coração também vai
sucumbindo aos poucos.
Ao chegar a hora de colher o amor semeado,
vê-se o fruto, o alimento
sem sabor, sem néctar.
E ainda ter de chamar de amor?!
Não se ensina a amar
desamando pra mostrar
o bastidor do sentimento,
o de fora, não distante,
que se crê no centro.
A indiferença cessa a febre,
E incendeia o coração com gelo e neve.

Poema: "Cace-a", de Erivelto Reis


Cace-a
Erivelto Reis

Se houver uma razão
pra você ser feliz,
Não importa o quão longe
ela esteja...
Cace-a.
Cace-a, por suas Palavras,
Cace-a só por sua Malandragem...
Se houver uma razão que seja
pra você ser feliz,
Cace-a.
Não há nada fácil,
Nunca foi e nem será fácil.
Sem arte ou religião
Talvez você herde
Uma saudade sem consolação.

Penso que a maior parte dos poemas malditos,
Subversivos,
sejam pela morte inspirados,
sejam pela morte escritos,
se ela escrevesse a vida
se ela entendesse a vida
e seus ritos.

Se houver uma mínima razão que seja
pra você ser feliz,
Cace-a,
Seja.
Antes que a morte veja.
Cace-a...

Poema: "A vida é isso", de Erivelto Reis


A VIDA É ISSO
Erivelto Reis

A vida é isso:
metade do tempo não saber o motivo
por detrás das coisas,
a outra metade, não entender
o motivo por detrás das coisas...
o resto é vício.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Poema: "Adivinho", de Erivelto Reis


Adivinho
Erivelto Reis

E sobre tua cabeça
brotem lírios,
os fios de teus cachos
ondulam, modulam
meu jeito de olhar pro teu rosto.
Ao fim de um dia,
os rios que partem de teus olhos
indicam a raiz de teus desgostos.
Decorem-se os nomes de teus filhos:
coroa de rei ou de rainha
desde o ventre...
e o vento água-marinha.
“Partir” nem é mais verbo,
é uma necessidade.
Adivinha em que cidade
irei aportar sozinho?
Talvez em nenhuma parte,
talvez pare no meio do caminho,
distante de qualquer destino.
Talvez eu morra menino:
Espectro permanecido.
E sobre tua cabeça
brotem lírios,
tiaras,
as rugas na tua cara,
os vincos de tuas vestes,
as areias de tuas praias
meus pés jamais
hão de tocar.
Desejo é tudo o que me doma,
do mar é tudo que não posso,
poder é tudo que não tenho,
morrer é só o que não quero.
Para vir de onde eu vim é distante.
Estar preso em mim, ainda mais!
O mero existir que me cansa,
desistir, minha única vaidade.
As aves mergulham e emergem,
os peixes alçam voo e voltam...
Humano, quisera de tudo um pouco,
fizera de tudo um nada.
De tua cabeça brotam lírios,
de tua boca, nenhuma palavra.
Adivinha em que cidade
irei aportar vazio?


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Poema: "Antiepígrafe emprestada de Neide Archanjo"


Antiepígrafe emprestada de Neide Archanjo

Erivelto Reis

É que não se desfaz
Um pacto depois
Que o acatamos
Principalmente
Se o propomos.
Leio o tempo
Viúvo de paz
Desde o seu casamento
Com a vida.
É vida
Alguém duvida
É dádiva, é obvio.
Nenhuma casa
É segura o bastante
Pra não se habitar.
É o mar bramindo
É um vendaval
Experiência, sarau
Mosaico, vitral
Um último vídeo viral.
Um último arroubo passional
Último verão
Da praia vê-se o horizonte:
A maré alta
A afogar o ontem.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Poema: "Tampo", de Erivelto Reis


Tampo
Erivelto Reis

É o tampo bambo de uma mesa,
Afixada numa calçada do mundo,
O palco improvisado e improvável
Do sucesso:
Do poema-protesto,
Do poema-político,
Do poema-irônico,
Do poema-satírico,
Do poema-silêncio,
Do poema-testamento,
Do poema-confissão,
Do poeta, cretino-crítico,
Inimigo libertador de si mesmo...
Sua plateia é outro bêbado,
Um incauto como testemunha,
Um prato de linguiça ou de torresmo,
Uma cerveja choca(da), a lembrança torpe
De um amor destilado.
O vômito é que é, de verdade, um poema visceral:
O resto do poeta, que escapa
Por um esgoto lacrimal.
E entre uma folha de papel amassada, rasurada,
Uma fala grotesco-enrolada,
Dá vazão a um elogio feito de forma grosseira.
A cartografia dos afetos
Do Poeta De Calçada
Localiza-se entre o estrelato pretendido,
A sarjeta a ser evitada
E a saideira (do bar ou da vida):
Entreato e reestreia,
Encenação e reprise
De uma mesma tragédia intelectopseudo-suicida.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Poema: "Proibido", de Erivelto Reis


Proibido
Erivelto Reis

Animais domésticos
Produtos cosméticos
Porres homéricos
Acidentes isquêmicos
Paradas cardíacas
E outras paradas
Amores platônicos
Romances românticos
Atores histriônicos
Voos supersônicos
Consumir tóxico
Canudo de plástico
Confiar em Horóscopo
Placas de trânsito
Ânsia de vômito
Pisar nos crisântemos
Proferir anátemas
Só viver é permitido
Entre as reticências
Entre as aparências
De todas as aspas.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Poema: "Araque", de Erivelto Reis

Araque
Erivelto Reis

Não venha com essa história esfarrapada
De que o que você passou
Não te faça mais sensível a nada e ninguém
Educação é ter respeito.
Pare agora com esse teu mau hábito!
Vou prender a respiração
E ficar distante do arame farpado
Que te cerca.
Tem muita poeira na tua biblioteca!
Não quero me intoxicar
Com o gás metano do teu hálito.
Desabafo:
Deve ser triste ter de diminuir
Aos outros tentando se sentir maior.
Teu espelho te olha e sente dó.
Ilusão de ótica, desilusão de ética.
“Vergonha”
Em quantos idiomas se soletra?
Na falta de discussão,
Acho melhor é te deixar no vácuo
Pseudossábio, Pseudo-almanaque
Alma seca, Gênio de araque!
Não brota um elogio do teu lábio.
E que a tua arrogância te massacre.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Poema: "Santinho", de Erivelto Reis


Santinho
Erivelto Reis

Não, companheiro, não é desse que eu tenho medo,
Nem do outro ou dos que os seguem
E acreditam cegamente neles...
Nem daqueles que esquadrinham intenções propostas
Ou dos que inventam fake news, fake lifes, lives fake...
Não tenho medo de ideologias, nem do embate de ideias:
Tenho medo da falta de ideais,
E das atitudes que tornam os horrores irreversíveis e reais.
Tenho medo da angústia de desconfiar
Do ex (tinto) irmão e do ex (tinto) amigo,
De não confiar no meu instinto,
De só confiar depois de muito vinho tinto...
Tenho medo de me equivocar,
Tentando lembrar a ordem dos nomes
Que não deverei mencionar
Quando vierem me torturar.
Omitir o quê? Seja agora ou depois...
Todos os nomes já estarão ditos
Quando o desejo do algoz é condenar!
Tenho medo dos que nos entregam
Por um lugar efêmero ao qual jamais poderiam alcançar,
Tenho medo dos que nos julgam traidores,
Quando habitam um cubículo grandioso de rancores.
Tenho medo da inveja,
Daqueles que poderiam ser, se quisessem,
Bem maiores do que eu jamais seria...
Mas que preferiram gastar o seu tempo e sua energia
Ocupando-se da vida que supunham que eu teria
E das coisas que temiam que eu dissesse.
Tenho medo dos que não trabalham,
Ainda quando poderiam...
Dos que simulam que trabalham,
E daqueles cujo trabalho se incube
De desesculpir sonhos e regurgitar vereditos!
Tenho medo dos malditos disfarçados de bonitos.
Dos sem alma, dos sem graça, humor,
Pudor, amor e predicados.
Tenho medo dos articulados sem ética,
Dos patéticos com prática,
Dos hipócritas com simulacros de razão,
Dos religiosos e ateus sem coração,
Dos poetas que não valem a pena com que escrevem.
Tenho medo dos que tomam conta do sexo do outro
Do nexo do outro:
Frígido pensamento congelado,
Veneno letal disfarçado.
Tenho medo e protesto?
Tenho medo e fico calado?
Oh, dúvida mais antiga!
Tenho medo e denuncio?!
Talvez seja essa a constante dor que me atinja,
Talvez seja essa a próxima coisa que eu sinta,
Talvez seja essa a última coisa que eu diga.


terça-feira, 11 de setembro de 2018

Poema: "Salvador", de Erivelto Reis


Salvador
Erivelto Reis
Para Cinda e Ronaldo

Salvador, não se rende,
Entende:
Os déspotas, que disparam contra ti e teu povo,
Jamais, jamais se arrependem!
Constrói com teu sangue, teu legado,
A história de luta
De um povo e de outros povos
Tão frágeis e fortes como os nossos...
Para que conheçam tua sina,
Salvador, não se rende.
Torna evidente a sanha, a ira
Dos corruptos, dos meganhas...
A chaga assassina de tua derrota
Produz em nós a sede não de vingança
Mas pelo gosto licoroso da liberdade,
Que nos aquece e aguça, como um verso de Neruda,
E nos mantém a todos atentos
À palavra que cala, que cega e mutila,
Porque proferida por ditadores devassos,
Porque feita de fel, horror, violência e mentira.
Nossos ouvidos, olhos e cérebros
Saberão traduzir o idioma dos nefastos...
E se voltarem, há de encontrar-nos, armados, irmanados
Por justiça e democracia.
Salvador, não se rende, não desiste.
No Chile, no Brasil, na Argentina,
Na América Latina – toda ela
Carcomida por traidores e vermes
Disformes em seus propósitos.
Salvador, não se rende,
Porque, de trabalhadores a presidentes,
Qualquer um de nós poderá ser o próximo.
Por favor, Salvador, não se rende.


sábado, 8 de setembro de 2018

Poema: "Drone", de Erivelto Reis


Drone
Erivelto Reis

É porque sonho
Que me querem insone,
Inquieto e longe...
Silencioso e temente
Do poder de suas análises
De personalidade e comportamento.
Comportam-se melhor
Os que sepultam sonhos
Par-ce-la-da-men-te?...
Com desfaçatez disfarçada
De altivez e experiência?!
Bruxos que bradam (paz)ciência,
Que ofendem a arte,
Que proferem a ciência
Que desconhecem,
Em troca de empatia momentânea
E de um pedaço de papel
Sem serventia.
É porque, por princípio, brigo
Que me batem, acusam e denigrem.
Não sei onde meus sonhos me levam,
Como não sei onde essas (anti) socioconsciências residem...
Suspeito que abismos e naufrágios signifiquem mais que tréguas!
Parecem estar no mesmo barco,
Mas observam a descida no conforto do porto,
Por imagens do alto,
Captadas por um drone:
É porque sonho
(e porque sei voar e nadar)
Que me querem insone...
Com uma âncora que me sepulta
No fundo de um abismo ou no fundo do mar.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Poema: "Nônio"- de Erivelto Reis

Nônio
Erivelto Reis
Para Cícero César, Cleber Amaral e os nossos pares!
Nem Colombo Clávio,
Nem Pedro Nunes...
Mas a estes é preciso render
Homenagens silenciosas e comovidas
Sobre as viagens que fazemos
E das que gostaríamos de fazer.
É preciso um novo nônio
Que nos ajude
A calcular a distância entre nós
E nossos sonhos.
Que Euclides, Descartes e Leibniz
Só matizem e multipliquem
Suas combinações muito lógicas
Suas contribuições mitológicas:
Matemática é a amizade dos números,
Entre os números, nós e o universo,
É a dimensão do perto
É a sensação do longe
E ansiedade de logo(s).
Há no mundo muito tempo
Há em nós tanto espaço,
Abraços e lágrimas que descobrimos.
Coração:
Terra anticolonizada,
Horizonte do mundo que jamais perece,
Morosos afetos que o tempo (não) perdoa,
(Mas eu perdoo!...),
Pegadas na areia que o mar devora,
Ave solitária que esquece o voo.

Poema: "Ou(ro)" - de Erivelto Reis


Ou(ro):
Erivelto Reis
A gente só sabe se sabia
Ser feliz, sendo...
Guardar dentro
E fora da gente o que é(ra)
Ou(ro):
A gente só sabe se sabia
Ser feliz, sofrendo!
Porque tem gente
Que pretende aplacar tristeza
Se escondendo?
Curar a própria dor, escorrendo?!
Lágrima derramada
Vale ou(ro)!
Não é orvalho, não é sereno.
A gente só sabe se sabia
(Ou ainda) Sabe ser feliz, sendo.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Poema: "O filho pródigo", de Erivelto Reis


O filho pródigo
Erivelto Reis
Para Gustavo e os seus iguais

Cada aluno que volta
É um filho pródigo.
E cada aula é um ato heroico
(Quando) um estado policialesco,
(Quando) administradores retrógrados,
(Quando) faltam investimento,
Interesse e argumento,
Que justifiquem o esquecimento.
(Escrevo “quando”, mas isso ocorre o tempo todo),
– Não com todo mundo, entretanto, o tempo tanto.
Dos valores que nos unem
Contra inimigos maiores
A educação seria o mais nobre.
Mas eis que vejo:
Alguns dos de meu próprio exército
Armados de sorrisos até os dentes
E gentilezas de confetes
Saudando o atraso que vendem como facilidade
E o caos que embala o sono de suas consciências
Entorpecidas.
Meus alunos, não esperem que nada seja fácil em vossas vidas!
O conforto é saber que lutaram por seus ideais
E que não sucumbiram a conveniências imorais.
Cada aluno que volta é um filho pródigo.
É um testemunho de vida.
Embora saibamos,
Dolorosa chamada de espaços vazios,
De desistências, de ausências,
De afetos em agonia, das desilusões
De nossos ancestrais:
Que há filhos que continuam sendo pródigos,
Mesmo se não voltam mais.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Poema: "Sátira", de Erivelto Reis


Sátira
Erivelto Reis
Para os argonautas.

Tudo o que pode ser vivido
Já estava escrito,
Está sendo escrito,
Será escrito pela Arte, pela Literatura.
Tem gente que embarca
Nessa aventura.
Tem gente que entende esse enredo,
Ouve essa música, aprecia esse quadro,
Lê bem essa partitura,
Não vive a vida à toa, age, atua.
Conquista o espaço que merece,
Não o que o destino insinua.
Tem gente que sabe,
O seu quilate.
Mas...
Tem gente que não gosta
Da Literatura, da arte.
Está por aí, em toda parte,
Dividindo, pouco a pouco,
Sua agrura, seus jamais...
Tem gente que é feita de amor e de ventura
Que vive com respeito e trata a todos com ternura.
Mas...
Tem gente que atura,
Tem gente que surta,
Tem gente que satura.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Poema: "Consórcios", de Erivelto Reis

Consórcios
Erivelto Reis

Não posso ensinar aos que ensinam,
Quando os que ensinam aprenderam,
Sabe-se lá de que maneira,
Que a educação é brincadeira,
Que não é preciso saber para ensinar:
Só é preciso fingir,
Enganar, trair, trapacear,
Negligenciar e omitir.
Vou lhes transmitir um conselho,
Um recado: parem já com esse engodo,
Porque vocês estão errados.
Seu aluno não é gado,
Não aceita ser relegado
Ao segundo plano.
É isso que querem deixar como legado?!
Poder aprender, poder ensinar
E não se dedicar de fato
É um ato desumano!
É um dom desperdiçado,
Um dó desafinado no acorde de um velho piano desalmado...
Acordem.
Para transcender é preciso sentir,
Precisa paixão, precisa-se tear a palavra
Que há nas linhas invisíveis das ideias,
Da imaginação...
Precisa estudar, precisa trilhar
As estradas dos caminhos
Dos atalhos do coração.
Não é que eu tenha qualquer superioridade,
É apenas que eu não fuja das minhas responsabilidades,
Que eu não queira pra alguém
O que jamais eu quis pra mim.
Libertem-se, libertem os demais
Permitam que descubram os bens
De que a Educação é capaz.
Com autonomia, ética e solidariedade,
Deixem que eles próprios montem
Os quebra-cabeças de suas verdades.
Não se iludam, oh, potestades:
Eles veem, eles sentem, eles sabem.
Não posso ensinar aos que ensinam,
Quando os que ensinam aprenderam,
Sabe-se lá por quais consórcios,
Que a educação não passa de um negócio...

domingo, 5 de agosto de 2018

Poema: "Navalha", de Erivelto Reis


Navalha
Erivelto Reis

A fé não salva ninguém do sofrimento
Mas garante alguma resignação ao passar por ele.
Olho pra esse horizonte que desponta,
Perpassa-me como um alfinete,
Costura-me como uma agulha...
É o fim da picada.
Nenhum viver todo é inofensivo!
Quando foi que dar e receber amor
Ficou tão nocivo?!
Eros doente atira pra matar
E ver arder no fogo a paixão do instinto.
A luz morta de uma fagulha apagada de ex-ser...
Pavio de vela, capítulo de não-vê-la:
A vida que podia ser,
E não a vida como ela não é.
A-feto, inumano, dor.
Cortei-me com uma faca cega,
Furei-me com uma tesoura sem ponta,
Tomo um caco de garrafa como último gole.
Porto uma lança e um dardo
E tomo uma surra
Com espada de são Jorge pra curar meu porre.
Tanta esperança pra nada
Tonta, a esperança portava
Um canivete suíço sem função,
Nada há que me valha!
Uma navalha enferrujada
Pra cortar impulsos,
Um estilete sem estilo na poesia
E na conversa fria
Em uma mesa de botequim
Que se tornou essa (pa-)rede social sem fim!
Ninguém olha pra mim,
Ninguém me escuta,
E nos glóbulos vermelhos
Que essa artéria histérica expulsa (va)
Ali onde eu caí, qualquer um caía...
Menos chuva, menos lágrima.
Ali onde me expus, qualquer um sangra (va)!
Pus e vísceras à mostra,
Mas quem se preocupa (va).
Minha selfie é um quadro bélico,
Abstrato, surreal e cubista
De alguém que se perdeu da vida.
Sublime, estampe canecas e camisetas com meu drama!
Que vossos travesseiros afundem vossas consciências
Como âncoras.
Viver nem sempre é estar vivo:
É vegetativo entrar e sair
De um perplexo estado de coma.

sábado, 4 de agosto de 2018

Poema: "Cena do crime", de Erivelto Reis


Cena do crime
Erivelto Reis


Mariana, o mal agora está feito,
O banzé está formado,
Escreve, sim, uma carta pra os seus pais...
Seu quarto foi maculado,
E certamente algo mais...
Passe álcool canforado
Pra amenizar a dor do seu corpo cansado.
Não fiques fazendo rascunhos de cartas,
Suspirando, falando bravatas
E promessas de amor imorais.
Veja se toma juízo.
Em um convento,
Paixão de alma e corpo não convém!
Melhor seria apenas idealizar o céu.
Castidade não é brinquedo
E religião é vocação e hábito!
Tenho pena desse seu desejo incauto.
De suas palavras de amor e fel.
Estou avisando a você...
Que hálito de amor é esse, Mariana?
Incenso na mesa de cabeceira,
Dois copos pela metade:
Um com água benta e outro com conhaque,
Uma capa de marinheiro embaixo do catre,
E duas anáguas parcialmente rasgadas?
Mariana, você não quer confessar nada?!...
Mariana, fala pra mim, por onde esse homem entrou?!
Seria ele um mago Merlim da sedução, um Robin Hood do prazer?
Um ilusionista anticristo do seu coração...
Mariana, presta atenção!
Daqui a pouco, à hora do ângelus,
Peça a Deus e aos santos
De seu pecado a redenção.
Sua história não é a única,
Mas poderá escandalizar,
Que não seja pela perda da pureza,
Por amor, ela será.
Pois quem ama a quem o ama
Sem pudor e sem maldade,
Ainda sem correspondência,
Deixa um legado à eternidade.
Mariana, eu achei mais quatro cartas,
A quem as pretende enviar?!
Ajoelhe-se, Mariana...
Ajoelhou tem que rezar...


sexta-feira, 27 de julho de 2018

Poema: "Raminho", de Erivelto Reis


Raminho
Para as minhas alunas
Erivelto Reis

Era só um raminho
Quando a conheci.
Mas cada árvore já comporta dentro de si
A vastidão frondosa dos tempos
Que testemunhará...
E a sina de ser abrigo, ar,
Fruto, guardar o solo, proteger, alimentar
E transcender o tempo que lhe couber.
Era só um raminho quando a conheci,
Mas era sua natureza
Ser plena e incansável na busca
Por conquistar o seu espaço,
Ocupar clareiras e preencher com amor
E sensibilidade as lacunas do conhecimento.
Era uma flora inteira, uma fauna inteira
De pássaros, (alunos e alunas) e outros seres alados
Que por ela eram atraídos,
(Como as histórias e as personagens da Literatura!),
No habitat natural da Arte e das Letras...
Mas era só um raminho
Quando a conheci.
Era rara, era cara e continua sempre.
Já era alta e imponente
...Talvez, só parecera um raminho...
Alguma forma alguma que adequasse
Delicadeza e força.
E isso não é de agora...
Era só um raminho
Pequena parte de uma grande árvore
E de notável professora.
Bebeu a sede dos rios que desbravou
Pra se tornar quem é e quem sempre fora.

terça-feira, 24 de julho de 2018

Poema: "Aprendizado...", de Erivelto Reis


Aprendizado...
Erivelto Reis

Não ensinei aos meus filhos
A falta que meu pai faria.
Não foi por maldade,
(Meu Deus, quanta saudade!),
Inexperiência ou simples apatia...
É porque, de fato, isso eu não sabia.
Ele estava ali, tão perto, à vista,
Pra tudo que eu precisasse,
Ainda que eu nem pedisse.
Todas as tardes de domingo,
Todo sábado, a partir do meio-dia...
(Tinha alegria em me encontrar, em conversar comigo!).
Não ensinei aos meus filhos
A falta que meu pai fazia...
E hoje ensino, com minha tristeza infinita,
Meu olhar perdido, toda hora,
Todo dia...

Poema: "Rosário", de Erivelto Reis


Rosário
Erivelto Reis
Para Você com especial gratidão

Nenhuma força humana para o bem e a justiça
Foi sentida
Que antes não fosse delicadeza e candura
É assim a noite dos sonhos
É assim na alma das formas
Tudo que é sentimento, luz e esperança
Projeta sobre e a partir dos objetos sombras
Mas é assim que alma transborda,
É assim que o mundo se transforma.
Nenhuma força humana para o bem e a justiça
Foi sentida
Que antes não fosse delicadeza e candura.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Poema: "Arautos", de Erivelto Reis


Arautos
Erivelto Reis

Eu precisava agradecer a todos e todas vocês:

Até que todas as diferenças entre nós
Não valham o caminho que a lágrima
Abre na estrada de nosso rosto
Arando nossas emoções
Irrigando-as de esperanças
Quem nem sempre germinam
Na estação que queremos.
Até que nenhuma semelhança
Insensibilize-nos
Até que toda a convergência
Permita-nos abrir espaço
Para a liberdade
E signifique respeito
E não, poder.
Até que seu gesto me alcance
Sua poesia me acalente
Até que a gente sinta como gente
Como espelho do que o outro sente
Até que sejamos irmãos:
Arautos da melodia da paz
 Agricultores de abençoada semente.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Poema: "Resta-UM", Erivelto Reis


Resta-UM
Erivelto Reis

No fundo de seu íntimo,
À boca pequena,
Em grupos restritos
De afinidades virtuais muito ou pouco
Éticas,
Explicitamente, em redes (anti) ultrajantessociais,
Talvez alguém já tenha desdenhado,
Ironizado ou ridicularizado
O seu professor ou professora.
Desvalorizado a sua capacidade de organização.
Colocado em xeque os seus conhecimentos
E seu comprometimento,
Esquecendo-se, talvez, do quanto
Esse professor ou essa professora lhe tenha ajudado,
Ou que jamais lhe tenha atrapalhado.
O motivo pouco importa:
Por causa de uma nota, de uma questão,
De uma abordagem abrupta, de um texto virtual mal formulado,
Por seu jeito de olhar ou de ficar em silêncio,
Por sua reação à falta de disciplina, leitura, pontualidade...
Por sua correria que elege prioridades para tentar atender e solucionar
As dificuldades inconfessáveis de colegas seus
Aos quais, muitas vezes, se junta para ironizar ou desmerecer
Àquele ou aquela que por você se preocupa tanto...
Ou, simplesmente, supôs que, por ser professor ou professora,
Ele ou ela seria uma máquina, um seu/sua serviçal...
Se jamais agiu assim,
Santo seja, homem ou mulher de dignidade e caráter admirável!
Se agiu e se arrependeu imediatamente ou com a experiência da vida em quebra-cabeças
E resta-um, orgulhe-se de ter aprendido uma nova lição.
Se age assim sendo você um futuro professor, ou professora,
Meu colega de profissão...
Sinto tristeza e medo
Pelo que você será capaz de fazer aos seus alunos
Por sabê-los indefesos diante
Da avalanche que soterra sonhos
E afasta amigos
Que deveriam relacionar-se com as mãos dadas
Com os corações limpos.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Poema: "Tédio", de Erivelto Reis


Tédio
Erivelto Reis
Para Gustavo Ferreira
Dormindo à custa de
Álcool,
     Poesia,
          E remédio...

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Poema: "Família", de Erivelto Reis


FAMÍLIA
Erivelto Reis
Para os pais, mães e responsáveis pelos meus alunos e alunas 
(Pra mostrar em casa)
A sua família depende de você
Depende desesperadamente de você
Depende encarecidamente de você
Depende.
Sua trajetória, suas escolhas, sua índole,
Seu caráter, sua ética, seu respeito,
Seu reconhecimento, sua boa educação,
Sua garra, sua inteligência, sua fé,
Sua integridade, seu amor próprio,
Sua consideração, suas palavras, seu afeto,
Sua autoestima, sua perseverança,
Seu abraço, seu olhar, sua ajuda,
Sua boa vontade, seu comprometimento.
A sua família depende de você
Depende desesperadamente de você
Depende encarecidamente de você
Depende.
Sua família são seus amigos,
Os de laços consanguíneos (ou não),
Os que você conquista,
Os que não o temem,
Os que sentem sua falta,
Os que se interessam pelo que você sente,
Os que não o rotulam,
Os que o corrigem para o seu bem,
Os que põem a comida na mesa,
Os que comem juntos em comunhão.
Os que fazem gestos invisíveis
Que contribuem para o seu conforto,
O seu avanço ou a sua existência...
Os que são capazes de muitos sacrifícios
Os que torcem realmente por você
Os que se preocupam com a sua saúde,
Com o seu bem estar...
Os que querem a sua felicidade.
A sua família depende de você
Depende desesperadamente de você
Depende encarecidamente de você
Depende...

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Poema: Jaula, de Erivelto Reis


Jaula
Erivelto Reis

Não deixem as crianças condenadas
Não deixem as crianças sem pão
Não deixem as crianças sem pai nem mãe
Sem pátria, sem saúde
Pedindo a um deus infantil que as ajude
Em gaiolas, em jaulas, em prisões, refugiadas, exiladas
Confinadas, traumatizadas
É um golpe na jugular da civilização
Latinas, africanas, orientais,
(Estrangeiras... nacionais)
A uma criança não se maltrata jamais
Não tratem as crianças como
Se não fossem nada,
Como se não possuíssem nada
Elas possuem um futuro
O futuro,
Se o futuro chegar
Não deixem as crianças aprisionadas
Prenda-se aos tiranos, aos déspotas
Aos megalômanos genocidas
Não façam da infância uma ideia corrompida
Decadente abandonada
Não deixem as crianças perecerem
Nas mãos dos que matam no mundo
Mandam no mundo
Covardes, sob os holofotes
Cuidar da infância
Deve ser compromisso de todos e de cada um
No século XXI (e desde o começo do mundo)
Cada dia é mais violento que o anterior
Não deixem as crianças sem amor.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Poema: "Enamorados" - de Erivelto Reis para Gloria Regina


Enamorados
Erivelto Reis
Para minha gloriosa esposa Gloria Regina.

Que namoro de alma
É como a aura, a energia se tatua na retina...
Uma pessoa amada
Em sintonia extremamente fina,
Até que não se saiba
Onde uma alma começa
Onde a outra reinicia.
Que namoro de alma nunca acaba
E nunca termina.
Nosso namoro é assim, Gloria Regina,
A tua alma tatuada na minha retina.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Poema: "Vísceras", de Erivelto Reis


VÍSCERAS
Erivelto Reis
Para Roberto Bozzetti, respeitosamente.


Que os Deuses me livrem de andar pelos escombros de meus poemas!
Deixe que outros o façam:
Acostumado que fui
Às palavras vivas de poetas mortos,
Deparo-me a toda hora,
Como assombração provocativa,
Com as palavras mortas,
E as quase sem vida
De poetas vivos com os quais convivo.
E mesmo com as minhas
Cadavéricas, anoréxicas, diuréticas e biliímicas
Palavras...
Elas tombam todas,
Acham que compuseram um poema
Figurantes no fundo da cena.

Quanto aos demais autores,
Já nem espero suas palavras
Baixarem no túmulo dos livros,
Para depois assistir ao doloroso processo
De exumação a que a leitura me obriga:
Eis que as palavras surgem esqueléticas, apologéticas...
Acompanhado por um léxico, um crítico,
Um exegeta, um fantasma e um exorcista.
Parece-me que todo texto bem fundado,
Bem escrito e bem usado
Tem certo quê de anarquista, antimetafísicaespiritualista...
(Perdoe-me por esse pensamento tolo!)
Como supor que algo que nasceu,
Que brotou do sentimento, do suor do rosto
E do labor das mãos
Possa nos reencontrar em estado de completa
(de) composição?!
Vejo novamente as pobres palavras
Emergirem de seus túmulos,
De seus poemas-sepultura...
Na lápide fendida ainda pode-se ler:
“Aqui jaz tola palavra que pensou,
Que ousou tentar ser literatura.
Que jamais descanse em paz.”
Que os Deuses me livrem de andar tropeçando
Pelos destroços, pelos remorsos,
Por entre as vísceras de meus poemas e de outros mais!


terça-feira, 22 de maio de 2018

Poema: "Te desenhei", de Erivelto Reis - Para Gloria Regina


Poema: "Vela", de Erivelto Reis


Vela
Erivelto Reis

Por que tanta vela acesa
Numa rua sem saída?
Cortejo
Esquarteja
Meio copo de cerveja...
O restante nem sobrou pra o santo
Atônito: vômito!
Pano branco sobre o corpo:
Sangue escorrendo em direção ao esgoto.
Violento fim.
Infância interrompida pelo meio,
Na história interrompida por alheio.
Meio retrato falado,
Desbotadas fotos nos porta-retratos.
Pra que tanta vela acesa
Pra que tanto grito de terror e revolta?!
É o desespero batendo palma na porta.
Thanatos:
Conhece tanto os ricos como os pobres,
Mas tem mais trabalho com os do segundo grupo:
Mesmo depois de mortos os pobres continuam dando lucro,
Sua existência é ir pulando de luto em luto.
Dobre do sino:
Silêncio, menino.
Essa a casa não é mais a moradia de seu pai...
Esse corpo não é mais a moradia de seu pai!
Você não tem mais a companhia de seu pai!
Por que tanta vela acesa
Numa rua sem saída?


segunda-feira, 21 de maio de 2018

Poema: "Sim, eu faço Letras", de Erivelto Reis

SIM, EU FAÇO LETRAS
Erivelto Reis
Sim, eu faço Letras...
Sou astrônomo das palavras cometas,
Das perpétuas palavras de amor e esperança.
Brinco com os textos,
Minhas memórias do que entendo deles
Pretenderei deixar de herança...
Além do testemunho
De como a Poesia salvou minha vida.
Sim, eu faço Letras!
A linguagem e seus signos,
Seus efeitos e seus sentidos
São a personalidade do desejo
Do conhecimento,
Das personagens que adotei,
Das histórias que elegi,
Como aquelas que vou levar comigo.
Não sou santo, não sou mártir,
Não sou deus, nem sou feito de bruma,
Nuvem ou miragem.
Sou espectro descrito no átrio de mim mesmo
Pelo poder da linguagem.
Sou feito e revestido por ela.
Ela está em toda parte.
Ela é meu lar, minha casa...
Com ela minhas possibilidades
Nunca são escassas!
Sou um projeto de (arc)anjo,
Cujas asas são feitas do tecido
Da pena e das palavras.
(Meu escudo é um livro, minha espada é uma caneta!)
Sim, eu faço Letras.